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Lilith

22oct25Compositoras em contra-corrente. 

Desejo mostrar ao mundo, tanto quanto possível nesta profissão musical,
a ideia errónea de que só os homens possuem os dons da arte e do intelecto,
e que esses dons nunca são concedidos às mulheres.

Maddalena Casulana

No século XVI, a imprensa não era acessível a círculos muito distantes da realeza. Nem sequer era entendida como uma necessidade. Em muitos casos, talvez, nem sequer soubessem da sua existência. A música era um acontecimento quotidiano, uma profissão, e servia para acompanhar cânticos litúrgicos, muitas vezes em pequenos órgãos portativos ou realejos. Pequenos órgãos que, ainda assim, narravam com força a grandeza da fé ou acompanhavam musicalmente as viagens reais europeias, como fez Antonio de Cabezón com Filipe II de Espanha. Foi nestas visitas que os músicos espanhóis tiveram a oportunidade de descobrir a obra dos grandes polifonistas flamengos e de nos legar as suas versões instrumentais. Foi o que aconteceu no século XVI com Cabezón e mestres de outros instrumentos, como o vihuelista Luys de Narváez; mas também com uma poeta, cantora e organista desconhecida, filha de um oficial em França: Clementine de Bourges (c. 1530-1561). Da bei rami scendea é a intabulação de um madrigal do compositor franco-flamengo Jacques Arcadelt. No entanto, para além das tablaturas, uma mulher do Renascimento surpreenderia o mundo com as suas próprias criações: Maddalena Casulana (c. 1544-1590) publicou Il primo libro di madrigali em Veneza em 1568, que constitui a primeira obra musical publicada por uma mulher. Várias outras surgiriam depois dela, e a sua arte foi reconhecida e elogiada pelos seus contemporâneos. Os dois nomes femininos que nos acompanham na nossa breve viagem pelo século XVII representam o desenvolvimento da música instrumental per se, desligada do acompanhamento litúrgico ou vocal: não foi por acaso que Leonora Duarte (1610-1678) chamou à sua coleção de peças para cinco violas da gamba «sinfonias abstractas». No centro de Antuérpia, a casa dos Duartes – mercadores judeus de origem portuguesa – era um centro de atividade musical e um ponto de encontro de estilos musicais europeus. Constantijn Huygens visitava-a com frequência e, embora Leonora fosse uma amadora talentosa, pode ter recebido instruções de John Bull. Apenas dez anos mais nova, Isabella Leonarda (1620-1704) teve uma vida muito diferente: nascida em Novara e consagrada freira em 1639, a sua posição na igreja permitiu-lhe desenvolver o seu talento num ambiente que, de outra forma, seria restritivo para uma mulher. Compôs mais de duzentas obras (motetes, sonatas, missas e outros hinos religiosos) que foram publicadas em inúmeras coletâneas, entre as quais a Sonata da chiesa, Op. 16 (1693), que demonstra a sua imaginação ilimitada e mestria instrumental. Indo contra a corrente e contrariando todas as convenções da sua época – seguir uma carreira musical fora do trabalho doméstico era algo de excecional para uma mulher – Elisabeth Jacquet de la Guerre (1665-1729) não podia senão dedicar a sua vida à música. Ao longo de dois séculos, cresceu numa família de organistas, cravistas e fabricantes de instrumentos... e começou a cantar na corte de Luís XIV aos cinco anos de idade! No entanto, o seu casamento com Marin de la Guerre impediu-a de ocupar qualquer cargo oficial na corte. A sua música, totalmente pessoal e original, revelava a sua busca pela modernidade – opunha-se aos tradicionalistas – e foi estreada na Académie Royale de Musique e nos aposentos reais. Tornou-se a primeira mulher a escrever uma ópera-bailado, Céfale et Procris, e publicou sonatas para cordas, peças para cravo e duas coletâneas de cantatas cujos trechos instrumentais nos levarão da tempestade ao sonho, do canto dos pássaros à letargia...

— Silvia Márquez —


22 outubro
Igreja do Convento de Santa Clara do Funchal
Quarta-feira, 21H30


9

La Tempestad
Lorea Aranzasti, violino barroco
Antonio Clares, viola barroca
Guillermo Turina, violoncelo barroco

18

Silvia Márquez, órgão e direção


Clémence de Bourges (c.1530-c.1562)
¬ Da bei rami scenes
(de um madrigal de Jacques Arcadelt)

Maddalena Casulana Mezari (c.1544-1590)
¬ Morir non può il mio cuore
(Il desiderio, Libro primo, 1566)
¬ Vagh’ amorosi augelli
(Il secondo libro de madrigali a qvattro voci, 1570)

Leonora Duarte (1610-1678)
¬ Sinfonia 3 à 5. Primi toni
(Oxford. Christ College, Mus. Ms. 429)

Isabella Leonarda (1620-1704)
¬ Sonata quinta
(Sonate a 1. 2. 3. e 4 Istromenti, Op. 16, Bologna 1693)

› Adagio
› Prestissimo
› Adagio
› Presto
› [Presto] 3/2
› Adagio
› Presto
› Adagio
› Presto
› [Presto] 3/2

Élisabeth Jacquet de La Guerre (1665-1729)
¬ Sonata n.º 1 em sol menor
(4 Sonates à 3 parties, c. 1695)

› Grave
› Presto
› Adagio
› Presto
› Adagio
› Presto
› Aria affettuoso
› Allegro

Elisabetta de Gambarini (1731-1765)
¬ Sonata n.º 2 em Ré maior
(Six Sets of Lesson for the Harpsichord, Op. 1, 1748)

› Grazioso
› Allegro moderato

Anna Amalia von Preussen (1723-1787)
¬ Duetto (fuga) para violín y viola

Mariana Martínez (1732-1809)
¬ Sinfonia em Dó maior (1770)
(arranjo: S. Márquez, A. Clares)

› Allegro con spirito
› Andante ma non troppo
› Allegro spiritoso

Élisabeth Jacquet de La Guerre
¬ Suite (de Cantates françaises e Le sommeil d’Ulisse)

› Symphonie
› Sommeil
› Muzette
› Simphonie de rossignol
› Tempête