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Para la otra que quiere ser monja

25out25Música nas instituições femininas do sul da Europa no século XVI.

Este programa reúne repertórios que, embora hoje frequentemente interpretados em variados contextos concertísticos ou musicológicos, foram concebidos também com um público feminino específico em mente: as religiosas. A documentação relativa à formação musical em mosteiros femininos na Península Ibérica e em Itália permite reconhecer o papel ativo que as mulheres desempenharam como intérpretes, alunas, educadoras e, por vezes, compositoras. Juan Bermudo, ao publicar o seu tratado Arte Tripharia (1551), declarou fazê-lo «maiormente para religiosas», em resposta a um pedido direto de doña Isabel Pacheco, abadessa do convento de Santa Clara de Montilla. A obra, concebida como um manual prático e acessível, mostra que havia comunidades onde a educação musical das monjas era estruturada e valorizada. O Libro de cifra nueva (1557), de Luis Venegas de Henestrosa, reforça esta ideia. Na introdução, o autor justifica a publicação com o desejo de que «a outra que quer ser monja» possa aprender a tocar, escutar e elevar o espírito. É neste contexto que se insere a peça de Gracia Baptista, Conditor alme, a obra mais antiga escrita por uma compositora da Península Ibérica que chegou até aos nossos dias. Do mesmo modo, as Obras de música para tecla, arpa o vihuela (1578), publicadas por Hernando de Cabezón a partir do legado do seu pai Antonio, são dedicadas «especialmente aos religiosos e religiosas». A referência explícita às religiosas como destinatárias revela não apenas familiaridade com estes repertórios, mas também a sua participação ativa na prática instrumental. Sabe-se ainda que o eminente músico Francisco Peraza tinha duas alunas berberiscas em Sevilha, las Alcázeres, que respetivamente chegaram a ser professoras de outras monjas, possivelmente do Convento de San Leandro na cidade. Em Itália, Claudia Francesca Rusca (c. 1593–1676) e Raffaella Aleotti (c. 1570–c. 1640) foram duas notáveis compositoras, ambas religiosas e ativas em contextos conventuais. Aleotti, monja agostiniana em Ferrara, destacou-se pela publicação, em 1593, do livro Sacrae cantiones, a primeira coleção de música sacra impressa por uma mulher que chegou até nós. Já Rusca, beneditina no Mosteiro de Santa Caterina em Brescia, publicou em 1630 a coletânea Sacri concerti, refletindo a prática musical conventual com uma grande variedade de configurações, desde canções para voz solo e baixo contínuo até concertados policorais a oito. Ambas demonstram como os conventos femininos da Itália renascentista e barroca foram espaços criativos importantes para a composição e performance musicais, mesmo num contexto de clausura e limitações sociais impostas às mulheres. Em Portugal, o códice polifónico de Arouca constitui uma das fontes mais reveladoras da prática musical em comunidades femininas. Nele, encontram-se indicações instrumentais nas partes de baixo – como dedilhações para baixão e cordas para viola da gamba – sugerindo a substituição de partes vocais graves por instrumentos de apoio tocados por religiosas. Em Coimbra existem relatos de conventos que encomendavam música aos compositores de Santa Cruz para uso das monjas, em particular o género da «chançoneta», canções em língua vernácula que eram integradas nos ofícios litúrgicos em festas solenes. Pedro de Cristo, como conforme citado por Ernesto Pinho, «tinha graça pera chansonetas e música alegre», não sendo de estranhar deste modo a sua procura para a composição deste género.

— Maria Bayley —


25 outubro
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Machico
Sábado, 21H30


12

Maria Bayley, órgão e voz


Gracia Baptista (fl.1557)
¬ Conditor alme (Henestrosa, L. V. Libro de Cifra Nueva. Alcalá de Henares: Brocar, 1557)

Thomas Crequillon (c.1505-1557)
¬ Mort m’a privé (Sixiesme livre contenant trente et une chansons. Antuérpia: Susato, 1545)

Francisco Fernández Palero (fl.1557)
¬ Mort m’a privé (Henestrosa, L. V. Libro de Cifra Nueva, 1557)

Juan Bermudo (1510-1565)
¬ Tiento (Declaración de Instrumentos Musicales, 1555)

Claudia Francesca Rusca (1593-1676)
¬ Salve Regina
¬ Canzon prima a 4 (Sacri concerti, 1630)

Pierre Sandrin (c. 1490-1561)
¬ Doulce mémoire (Pierre Attaignant, Livre 2: 27 chansons a 4, 1538)

Hernando de Cabezón (1541-1602)
¬ Doulce mémoire (Obras de música para tecla, arpa & vihuela, 1578)

Raffaella Aleotti (c.1570-c.1646)
¬ Angelus ad pastores (Sacrae cantiones, 1593)

Francisco Peraza (1564-1598)
¬ Medio registro alto de primer tono (E-E LP30)

Anónimo (Brasil, ?-?)
¬ Sanctus e Agnus Dei (Missa «O Gram Senhora») (P-AR Res Ms 32)

Pedro de Cristo (1545-1618)
¬ Si puede el hombre (P-Cug MM 53)