20 outubro, sexta-feira, 21H30;
Igreja de São Martinho · Funchal;
DANCERIES
A dança na música europeia em torno de 1600;
João Vaz, órgão;
Tiago Simas Freire, corneta;
José Gomes, baixão;
Façamos dançar o órgão com os seus dois maiores aliados do início do século XVII – eis o desafio do presente programa. Paralelamente ao órgão, os instrumentos que em torno de 1600 se tornaram quase obrigatórios nas principais capelas e catedrais ibéricas foram sem dúvida a corneta e o baixão – o primeiro para a voz aguda e o segundo para a voz grave. Estes instrumentos vieram completar e/ou substituir o antigo conjunto de charamelas e sacabuxas, típico desde o século XV. Como salienta Paulo Estudante na sua tese (2007), embora tenhamos testemunhos da presença da corneta e o do baixão nas catedrais espanholas a partir meados do século XVI, os primeiros registos portugueses parecem ser algo tardios. O efectivo de 1593 da Sé de Évora é o primeiro a incluir uma corneta. Em Coimbra, o instrumento só aparece em 1609. Utilizada principalmente para dobrar e/ou substituir as vozes de soprano, a corneta continuou a ser usada nas catedrais lusitanas até pelo menos à primeira metade do século XVIII (Coimbra, 1703; Évora, c.1725). O baixão, precursor do actual fagote, desenvolve um papel de ponte entre os cantores e os instrumentistas. Para além de tocar com o conjunto instrumental, é também um elemento regular na capela dos cantores, reforçando ou substituindo a voz grave. Com o seu tubo acústico dobrado em dois, é capaz de atingir as tessituras mais graves, mantendo uma boa maneabilidade pois as suas dimensões são muito inferiores às de instrumentos equivalentes de outras famílias. O baixão foi por vezes admitido nas instituições eclesiásticas antes de um conjunto instrumental completo e, tal como a corneta, foi assimilado pelas instituições espanholas na segunda metade do século XVI. Em Portugal, o primeiro registo de um baixão assalariado encontra-se em Évora, com João de Contreiras (1572). Em Braga, o mestre instrumentista da Sé Pero Gomes Franquo tocava o baixão todos os domingos, dias santos e vésperas solenes, pelo menos já em 1592. No centro do país, na Sé de Coimbra, a primeira referência ao baixão vem do instrumentista Manuel de Moura, já em 1609. O ano de 1609 parece-nos um pouco tardio, sobretudo se considerarmos a instituição vizinha, o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Aqui, já em 1590 e muito provavelmente após um período experimental, os responsáveis da Ordem autorizaram as suas várias casas, incluindo a casa-mãe de Santa Cruz, a utilizar o baixão nos serviços litúrgicos. Pode hoje parecer curioso um programa consagrado às danças ser executado com três instrumentos típicos do espaço eclesiástico mas, em boa verdade, tanto estes instrumentos têm igualmente grande uso no meio profano como a música de dança toma grande liberdade e proeminência no meio religioso. Exploramos assim as franjas permeáveis dos meios sacro e profano através da ambivalência e omnipresença da música de dança nos diversos universos musicais em torno de 1600. De Portugal à Alemanha, de Itália aos Países Baixos passando pela França, apresentamos neste programa dançante, danças cortesãs, danças de cena, danças eclesiásticas e ainda danças que servem de base de novos géneros musicais.
Tiago Simas Freire
Programa:
CLAUDIO MONTEVERDI (1567-1643)
Toccata e La Moresca
(L'Orfeo, 1609)
ANTONIO VALENTE (c.1565-1608)
Lo ballo dell'intorcia *
(Intavolatura di cimbalo, 1576)
DIEGO ORTIZ (c.1510-c.1576)
Recercada sobre «Passamezzo antico»
(Libro secondo, 1553)
ANTONIO DE CABEZÓN (1510-1566)
Pavana con su glosa *
(Libro de cifra nueva, 1557)
MICHAEL PRAETORIUS (1571-1621)
Ballet de la comédie
(Terpsichore, 1612)
Diego Ortiz (c.1510-c.1576)
Recercada sobre «La Folia»
(Libro secondo, 1553)
ANDREA FALCONIERO (1585/6 – 1656)
Passacalle
(Primo libro de canzone, 1650)
BERNARDO PASQUINI (1637-1710)
Partite sopra l’aria della folia da Spagna *
(Ms. 964, Arquivo Distrital de Braga)
ANÓNIMO (Santa Cruz de Coimbra, c.1650)
Tarambote
(Cartapácios de Coimbra, BGUC)
ANÓNIMO (Itália, séc. XVII)
Aria [Bergamasca] con variationi *
(Ms. 964, Arquivo Distrital de Braga)
NICOLAS LE BÈGUE (1631-1702)
Ou s'en vont ces gays bergers
(Troisième livre d'orgue, c.1685)
CLAUDE GERVAISE (1525-1583)
Pavane
Gaillarde
Tourdion
(Livres de danceries, 1547-1557)
Tiago Simas Freire
Tiago Simas Freire é doutorado em Música e Musicologia (Universidade de Coimbra, Universidade de Lyon, CNSMDL) e detém três mestrados: Flauta Doce, Corneta Histórica (CNSMD Lyon) e Arquitectura (IST Lisboa). Flautista e cornetista activo, apresenta-se regularmente em concerto, nomeadamente com Concerto Soave, Akadêmia, Les Meslanges, Le Concert Brisé, Il Gusto Barroco, tendo gravado para as editoras Harmonia Mundi, Ricercar, SWR2, Psalmus. É investigador na Universidade de Coimbra (CECH) desde 2012 e foi assistente de investigação na HEM de Genebra entre 2016 e 2022. É o professor de Flauta doce e História da ornamentação no CNSMD de Lyon. Opera na introdução da prática da corneta histórica nas Escolas Superiores de Música de Lisboa e do Porto desde 2014. É convidado a leccionar seminários no Centre de Musique Baroque de Versailles, no CCR d’Ambronay, na Fondation Royaumont, no CRR e CNSMD de Paris, no Conservatório Real de Bruxelas e nos Conservatórios de Aveiro, Coimbra e Loulé. Fundou e dirige a Capella Sanctæ Crucis, laboratório de investigação e prática musical dedicado a fontes inéditas portuguesas dos séculos XVI e XVII.
José Gomes
José Rodrigues Gomes estudou Musicologia, Flauta de Bisel, e Fagote Histórico, em Portugal e nos Países Baixos, tendo centrado a sua investigação na presença do Baixão em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Apresenta-se regularmente em concerto com diversos agrupamentos e sob direcção de músicos de renome no panorama internacional da interpretação historicamente informada. É membro da Capella Sanctae Crucis, sob direcção de Tiago Simas Freire, e fagotista principal da Orquestra Barroca Casa da Música, sob direcção de Laurence Cummings. É docente de Fagote Histórico na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, no Conservatoire Royal de Bruxelles e na Academia Muziek-Woord-Dans em Jette (Bruxelas). Participou na criação de uma série de Workshops intitulada «Performance Consciente», explorando diversos aspectos extra-musicais da performance, com recurso a técnicas e ferramentas das áreas da Mindfulness e Life-Coaching. Como intérprete, visa a excelência técnica e estética posta ao serviço da música, acreditando que esta permite elevar-nos para além dos nossos hábitos e padrões quotidianos e aceder a uma dimensão essencial e universal de todas as coisas, potenciando uma comunhão com tudo o que nos rodeia.
João Vaz
Natural de Lisboa, João Vaz é diplomado em Órgão pela Escola Superior de Música de Lisboa, sob a orientação de Antoine Sibertin-Blanc, e pelo Conservatório Superior de Música de Aragão, em Saragoça, onde estudou com José Luis González Uriol, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. É também doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora, tendo defendido, sob a orientação de Rui Vieira Nery, uma tese sobre a música portuguesa para órgão no final do Antigo Regime. Tem mantido uma intensa actividade a nível internacional, quer como concertista, quer como docente em cursos de aperfeiçoamento organístico, ou membro de júri de concursos de interpretação. Efectuou mais de uma dezena de gravações discográficas a solo, salientando-se as efectuadas em órgãos históricos portugueses. Lecciona actualmente Órgão na Escola Superior de Música de Lisboa. É actualmente director artístico do Festival de Órgão da Madeira e das séries de concertos que se realizam nos seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (de cujo restauro foi consultor permanente) e no órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa (instrumento cuja titularidade assumiu em 1997). Em 2017 foi agraciado com a Medalha de Honra do Município de Mafra.