21 outubro, sábado, 21H30;
Igreja de Nossa Senhora da Conceição · Machico;
A TRADIÇÃO HISPÂNICA NO NOVO MUNDO
Cristina García Banegas, órgão.
Enquanto peças litúrgicas, tientos e sonatas eram cultivados nas catedrais barrocas, um repertório diferente foi desenvolvido nas reducciones fundadas pelos jesuítas entre vários grupos indígenas, e por vezes estigmatizadas coletivamente sob a designação de reino jesuíta ou república jesuíta do Paraguai. Nem Paraguai, nem reino, nem república: a música que temos hoje provém das missões jesuíticas de Chiquitos (Bolívia). O seu desenvolvimento foi regido mais pelo conhecido pragmatismo da Ordem do que pela aplicação de qualquer teoria política – e os jesuítas fizeram da obediência ao rei de Espanha um princípio e uma bandeira do seu trabalho. Mas trabalharam nas bases jesuítas do resto do território: introduziram nas suas missões apenas o que coincidia com os princípios que professavam, incluindo as disposições reais. Assim, o repertório musical tem aspecto distinto, incluindo a música de órgão. Para o século XVIII, a sua base é italiana e da Europa Central, e não espanhola. A música parece adaptada à função didáctica: por exemplo, a textura limita-se basicamente a duas vozes, a melodia na mão direita e um baixo simples na esquerda com predominância da primeira – adaptação especialmente notável em At Birth; e a ornamentação que os intérpretes europeus e crioulos improvisaram foi escrita nas próprias obras, o que implica que os intérpretes índios não a acrescentaram por vontade própria. Os títulos de todos esses andamentos, geralmente retirados de sonatas ou concertos para cordas, foram acrescentados por Martin Schmid (1694-1772), jesuíta, professor de música em Chiquitos, numa cópia que ele mesmo fez do repertório de órgão da cidade de San Rafael, de Chiquitos: títulos atraentes, com fantasia lúdica, que em parte celebram acontecimentos históricos locais – por exemplo, a visita do juiz da Audiencia de Charcas, Francisco Javier de Palacios (1745), em Señor oidor – ou internacional – o nascimento do futuro Imperador da Áustria José II (1741-1790), em Al nacimiento. Composições de caráter diverso e de utilidade para o ensino musical estão representadas em compêndios como Lições de solfejo de Luis Alvarez Pinto, ilustre compositor e poeta recifense, lições que, embora tenham sido projetadas especificamente para praticar a leitura musical, cantando ou tocando instrumentos, possuem um interesse musical que as eleva muito acima de um mero exercício de teoria musical. Embora o órgão esteja principalmente associado à igreja, não era incomum encontrar instrumentos pequenos nas casas de quem tinha condiçõespara os adquirir. Por isso existe um repertório de Sones de Palacio para o instrumento, representado de forma destacada na península pelas coleções do franciscano Antonio Martín y Coll. Isto permite que outras músicas de câmara não necessariamente concebidas para o instrumento sejam tocadas no órgão. Este repertório paralelo é aqui representado por três danças de origem popular retiradas de Luz y norte de Lucas Ruiz de Ribayaz, adaptadas para guitarra ou harpa. Embora o livro tenha sido publicado em Madrid, o autor viajou para Lima na comitiva do vice-rei Conde de Lemos (1667) e compilou o seu livro ao regressar, a pedido dos amigos que deixara do outro lado do Atlântico. Talvez a faceta mais interessante do repertório de música de câmara para tecla do barroco hispano-americano se veja nas diferencias ou variações, concebidas na tradição hispânica internacionalmente famosa, derivadas de Bermudo, Cabezón e dos vihuelistas do século XVI. Estas obras utilizam uma canção ou dança simples e conhecida, como as preservadas por Ribayaz, e submetem-na a tantas variações quanto a imaginação e os dedos do instrumentista permitem, sem nunca perder de vista o modelo original.
Cristina García Banega
Programa:
COLECTÂNEA ANTONIO MARTÍN Y COLL (1702-1708)
Preludio y Diferencias sobre la Gayta
Tarantela
Canarios
Tamborilero
MANUSCRITO SAN ANTONIO ABAD (Perú, séc XVII)
Verso solo para bajoncillo
ARCHIVO HISTÓRICO ARQUIDIOCESANO DE GUATEMALA
Tiento de primero tono [a 3, para órgano]
JUAN PÉREZ BOCANEGRA (c.1560-1645)
Hanacpachap cussicuinim (Alegría del cielo, te adoraré)
MANUSCRITO SAN JUAN DE LIMA (Perú, séc XVII)
Diferencias
MANUSCRITO SONES MO ÓRGANO (Perú, séc XVII)
Del Principe (Domenico Zipoli)
Alemanda [del tercer tono] (Domenico Zipoli?)
Al nacimiento del Archiduque Joseph Benedicto (Arcangelo Corelli)
DOMENICO ZIPOLI (1688-1726)
Preludio (arranjo de uma obra de Corelli)
Endechas (Corrente)
Suspiros (Sarabanda)
Giga
Retirada del Emperador
Fuga del Almirante a Portugal
Reina de Ungría y Bohemia coronada
ANÓNIMO (El Escorial, c.1660-1680)
Obra sobre la tonada del desmayo
JOSEPH DE TORRES Y MARTÍNEZ BRAVO (c.1670-1738)
Tiento partido de mano izquierda
Batalla
ANÓNIMO (tradicional do Peru)
Yunka Rataratá
Cristina Garcia Banegas
Cristina Garcia Banegas é titular da cadeira de Estudos de Órgão na Escola de Música da Universidade do Uruguai. Em 1987 fundou o “Ensemble Vocal e Instrumental De Profundis”, que tem dirigido durante os últimos vinte e três anos. É directora artística do Festival Internacional de Órgão douruguai, também fundado por ela em 1987 e directora do Children Choir Selection do Colegio Inglés, since 1989, e do coro “Los Niños de tu Ciudad” desde 2008. Começou os seus estudos de órgão com Renée Bonnet e Renée Pietrafesa (Uruguai) e continuou-os com Lionel Rogg, obtendo o “Premier Prix de Virtuosité” no Conservatório de Genebra, e com Marie-Claire Alain, obtendo o “Premier Prix d’Excellence avec Félicitations du Jury” no Conservatório de Rueil Malmaison em Paris. A sua intensa actividade de organista levou-a à Europa, América Latina, Estados Unidos, Rússia e Japão. As suas gravações incluem muitas obras de J. S. Bach e muitas peças da literatura barroca espanhola ou latino-americana, interpretadas em órgãos históricos. Dirigiu várias obras primas do repertório barroco e clássico, sempre com aplauso do público e aclamação da crítica. Recebeu vários prémios de orgão e distinções honoríficas, e o Ensemble De Profundis recebeu recentemente, da Fundação Itaú, o primeiro prémio como melhor coro institucional.