Segunda-feira, 29 de outubro, 21h30
Igreja e Convento de Santa Clara
Ministriles de Marsias
Paco Rubio, corneto
Joaquim Guerra, baixãozinho e chirimia
Simeón Galduf, sacabuxa
Fernando Sánchez, baixão
Javier Artigas, órgão
Os ministriles são, segundo descreve o Diccionario de Autoridades (primeira edição do dicionário da Real Academia Española de la Lengua) numa época tão tardia para eles como 1732, os instrumentos de sopro, e, como exemplos mais significativos, os de palheta, chirimias e baixões. O conjunto de ministriles completa-se com outros semelhantes, os instrumentos de bocal, o corneto e o sacabuxa. Ocasionalmente, os ministriles podem tocar flautas de bisel para obter variedade tímbrica.
O conjunto de ministriles, assim formado, não foi exclusivo de terras espanholas. No entanto, o seu som profundo e intenso é, ao lado do órgão ibérico, um dos mais característicos da música espanhola. A importância cultural dos ministriles provém da sua dilatada persistência em Espanha, da multitude de funções que lhes eram atribuídas, da marca que deixaram (transformando-se noutros conjuntos de enorme popularidade, da sua peculiaridade sonora e da sua obstinada vocação por imitar a voz humana e sua secular convivência com ela nas igrejas e catedrais.
Marsias é um velho sátiro da mitologia grega, que toca um instrumento de sopro, e que desafiou Apolo, que toca um instrumento de cordas, para uma competição musical da qual saiu perdedor. Apolo arrancou-lhe então a pele. Pareceu-nos próprio e caracterizador, enquanto Ministriles de Marsias, tratar com algum pormenor aquilo que chamamos de competição entre Apolo e Marsias, que consiste em todo um cânone de textos da época, procedentes dos vihuelistas e organistas, da literatura amena e, inclusivamente, de Monteverdi, nos quais os ministriles se viram «esfolados». Esses textos são fruto da discussão dos instrumentistas sobre a imitação da voz humana e inserem-se num debate mais amplo, próprio da cultura ocidental, entre natureza e cultura. Tais argumentos, apolíneos, próprios, entre nós, dos músicos mais cultos, vihuelistas e organistas, são do tipo dos que em Itália conduziriam à seconda prattica. Por outro lado, os ministriles foram ao cerne da prática musical na hora de mostrar em que consiste a imitação da voz humana: qualidade de som, dinâmica, boa pronúncia, capacidade para tocar em todos os tons e, como a música era considerada um discurso, ornamentação e glosa.
No seu apego afetuoso à natureza (Marsias, ao contrário de Apolo, vive em contacto com a natureza), ou seja, à voz humana, os ministriles assumiram maravilhosamente o risco da imperfeição, vindo a ser substituídos, antes de meados do século XVII, por instrumentos mais técnicos e culturalmente mais avançados, se bem que em Espanha, país de frutos tardios, alargaram a sua presença até ao século XIX!
Neste programa, que mostra nada mais nada menos do que dois séculos e meio de música espanhola de ministriles, tanto no âmbito do sagrado como do profano, reivindicamos, com a curiosidade dos ministriles a que aludia Hernando de Cabezón, a herança deste som firme, humilde e nosso.
Paco Rubio
Ministriles de Marsias
Trazos de los ministriles
Juan García de Salazar (1639-1710)
Regina coeli
Anónimo (ca. 1510, Catedral de Burgos, sillería del coro)
Entrada
Francisco Soto (fl. 1526-1563)
Tiento del sesto tono
Francisco de Peñalosa (ca. 1470-1528)
Sancta Mater istud agas
Luis Milán (a. 1500-d. 1561)
Pavana y gallarda
Mateo Flecha (1481-1553)
Jerigonza
Adrian Willaert (c. 1490-1552)
Vecchie letrose
Antonio de Cabezón (1510-1566)
Tiento (Órgão)
Diferencias sobre el canto de Madama le demanda
Diferencias sobre las Vacas
Canto del cavallero (Órgão)
Juan García de Salazar
Da pacem Domine
Francisco Correa de Arauxo (1584-1654)
Tiento 3º de 6º tono sobre la batalla de Morales
A. Martín y Coll (1671-1734)
Tamborilero (Órgão)
Francisco Tejada (Libro de clavicímbano, 1721)
Gitanilla
Zambomba
Marizápalos
Folias de España (Órgão)
Fabritio Caroso (c.1527-c.1605)
Canarios con sus glosas
Participantes
Ministriles de Marsias Ministriles de Mársias é um verdadeiro conjunto de menestréis, nome dado aos instrumentos de sopro nas capelas das catedrais. O nome do grupo refere-se à disputa entre o civilizado Apollo com a sua harpa e o bárbaro menestrel Mársias soprando na tibia. Essa competição entre as cordas e o sopro foi evocada por Monteverdi e outros contemporâneos ao instrumentar as suas obras para referir a capacidade dos menestréis para imitar e apoiar a voz humana. E não apenas por músicos, mas por pintores famosos (Ribera, Rubens, Velázquez ...) e escritores da época. O grupo é especializado na interpretação de música espanhola, e não apenas instrumental, mas vocal, juntando cantores e órgão para recriar o modelo que era típico nas capelas das nossas igrejas e catedrais, onde os menestréis eram indispensáveis desde o final do século XV até meados do século XVIII e onde a nossa germinou a nossa melhor música (Anchieta, Peñalosa, Morales, Guerrero, Victoria, Cabezón, Correa de Arauxo...). Os Ministriles de Mársias começaram a oferecer gravações que resultam do trabalho de anos na recuperação do património musical hispânico. O seu CD Trazos de los ministriles ganhou o prémio de melhor CD de música renascentista em 2010 atribuído pelos leitores da revista Compact CD. O seu mais recente CD duplo, Invenciones de glosas: Antonio de Cabezón, foi classificado como «disco excecional» na revista Scherzo (maio de 2011). Os Ministriles de Mársias já atuou em grande parte da Europa e do território espanhol em prestigiados festivais de música antiga. Ensinou componentes ou o ensino da música, não só durante o ano letivo, mas em cursos de verão, ou são membros de orquestras sinfônicas com solistas do instrumento moderno, desenvolvendo trabalho de pesquisa musicológica ou oferecer recitais a solo. |
Notas ao Órgão
Igreja e Convento de Santa Clara, Funchal
A Igreja de Santa Clara tinha adquirido um órgão de tubos em forma de armário com características italo-ibéricas do século XVIII. Com a extinção das Ordens Religiosas e consequente venda dos bens da congregação, também o órgão foi posto em hasta pública, sendo arrematado pelo Dr. Romano de Santa Clara, que o conservou numa dependência do extinto convento. Em 1921 ofereceu-o à confraria de Santa Clara, a fim de ser novamente posto ao serviço religioso daquele templo. Foram então encarregados de proceder à sua “reparação”, em outubro de 1923, os músicos César R. Nascimento e Guilherme H. Lino que a terminaram em novembro do ano seguinte.
Achando-se durante vários anos silenciado e muito estragado, em 1996, este instrumento, de notável valor histórico, foi então sujeito a uma intervenção profunda e com critérios baseados em factos ligados à arte da organaria da época que identifica o instrumento, desta vez por parte de Dinarte Machado, tendo ficado concluída em 2001. O estado em que se encontrava, considerado completamente desconfigurado, exigiu um profundo e rigoroso estudo para se chegar às conclusões que definiram o restauro atual. Neste âmbito, foi um trabalho revestido de grande critério e exigência imposto desde o início por Dinarte Machado.
Manual (C, D, E, F, G, A, Bb-c’’’)
Principale (c#’-c’’’)
Ottava (4’)
Quintadecima
Decimanona
Vigesimaseconda e Trigesimasesta
Flauto 8’
Flauto 4’
Cornetto (c#’-c’’’)