Domingo, 28 de outubro, 18h00
Igreja de Nossa Senhora da Conceição (Machico)
Javier Artigas, órgão
O concerto começa com cinco danças extraídas da coleção Intavolatura di balli d’arpicordo (1621), compostas por Giovanni Picchi, organista em Veneza na Cà Grande e na Scuola di San Rocco. Estas danças caracterizam-se por mostrar uma linha melódica na voz superior (que aparecerá muito mais ornamentada nas repetições) e um acompanhamento de acordes que sublinha os diferentes ritmos de dança.
Andrès Lorente, frade franciscano, é muito mais conhecido na sua faceta de teórico musical. A sua obra mais conhecida é o tratado El porqué de la Música, impresso em Alcalá de Henares em 1672, que foi na época uma das referências da ciência da música e da composição e que atualmente nos serve para tentar compreender a linguagem musical do século XVII. Não se conserva nenhum livro com obras suas, embora no seu tratado Lorente prometesse um Libro de Zifra de Organo que con el favor de Dios sacarèmos a la luz en todo este Año de 1672, o qual infelizmente nunca se imprimiu. O tiento que escutaremos neste concerto provém de uma atribuição realizada no Manuscrito de Astorga.
A secção com que continua este concerto é uma sucessão de danças que nos dão uma visão do século XVII espanhol. Estas peças estão compiladas numa coleção intitulada Huerto ameno de varias flores de música, copiada entre 1706 e 1709 pelo frade franciscano Antonio Martín y Coll. Este ilustre clérigo viveu entre os séculos XVII e XVIII, sendo discípulo do citado Andrès Lorente.
A figura central da composição organística espanhola no final do século XVII foi, sem dúvida, Joan Cabanilles, de quem neste ano de 2012 se cumpre o terceiro centenário da morte ocorrida a 29 de abril de 1712. É impossível resumir o valor e a importância de Cabanilles em poucas linhas, mas basta dizer que se conservam, em diferentes manuscritos, mais de mil obras atribuídas a este organista que foi titular dos instrumentos da Catedral de Valência desde 1666 até 1712. A obra que ouviremos é o famosíssimo Tiento de 5º Tono sobre Pange Lingua, possivelmente um dos êxitos da música organística ibérica. São uma série de variações sobre o tema do hino Pange lingua, na sua versão conhecida como more hispano, nas quais o tema literal do hino vai passando de voz em voz, proporcionando novas harmonizações e um contraponto com ornamentações melódicas cada vez mais floridas, produzindo no final um clímax musical com a última repetição do tema. É sem dúvida uma obra magistral em que se encontram todas as habilidades compositivas que tinham evoluído durante duzentos anos na Península Ibérica, um compêndio da composição organística da Renascença e do Primeiro Barroco.
Finalmente, o concerto conclui com um bloco de quatro obras de compositores que, cronologicamente, se situam na mudança do século XVIII para o XIX. Foi o final da época mais tradicional da composição organística e o começo de uma nova era baseada sobretudo na música de além-Pirinéus, com influências claras da linguagem musical de compositores como Haydn e Mozart, de cujas obras se conservam numerosas transcrições da época nos arquivos catedralícios, pelo que, ao contrário do que sempre se tem dito, a receção da sua obra deve ter sido rapidíssima. Neste momento histórico, embora se tente avançar na linguagem harmónica e melódica, as formas e os instrumentos limitam de maneira clara a evolução, produzindo uma música que, embora soando moderna, permanece ancorada no antigo. Compositores deta época são Ramón Ferreñac, organista da Basílica do Pilar de Saragoça (contemporâneo do grande Goya e filho de Manuel Ferreñac), de quem escutaremos um Tempo de Minuè, que não é mais do que uma série de variações sobre um tema de minuete escritas numa linguagem totalmente clássica, Frei Francisco Eguiguren, compositor basco do qual não conhecemos dados, mas de quem escutaremos uma obra intitulada Concerto Arioso (uma sonata com um só andamento, de estilo italiano), Joaquín Laseca, organista da Catedral de Saragoça nos finais do século XVIII, de quem ouviremos uma Sonata de 5º tono, escrita em forma bipartida, mas de características clássicas, e Carles Baguer, organista da Catedral de Barcelona e um dos poucos compositores desta época de quem se conservam obras orquestrais. Baguer compôs umas dezanove sinfonias no estilo clássico, influenciado pela enorme figura de Haydn, que imperava naquele momento. Algumas destas sinfonias foram transcritas para o órgão pelo próprio Baguer. Uma destas obras, em quatro andamentos, é a que oferecemos para fechar este recital.
Javier Artigas Pina
Recital de Órgão
Giovanni Picchi (1621)
Intavolatura di Balli d’Arpicordo
Padoana ditta la Ongara
Ballo Ongar.
Ballo detto il Picchi
Todescha
Ballo alla Polacca
Andrés Lorente (1624-1703)
Medio registro de dos tiples de Primer Tono
Huerto Ameno de varias flores de musica (Manuscrito de Martín y Coll, 1709)
Danzas y Tonadas.
Vacas
Alamanda
Un ayre alegre
Zarabanda
Danza del Acha
Canarios
El Villano
Juan Cabanilles (1644-1712)
Tiento de 5º tono de Pange Lingua
Ramón Ferreñac (1763-1823)
Tempo de minué
Francisco Eguiguren (1743-?)
Concierto Arioso
Joaquín Laseca (1758-1820)
Sonata de 5º tono
Carles Baguer (1768-1808)
Sinfonia em Fá maior
Allegro assai
Adagio con variaciones
Minuetto
Rondo Presto
Participantes
Javier Artigas Pina Estudou Órgão e Cravo, sob a orientação de José Luis González Uriol, havendo conquistado o Prémio Extraordinário de Fim de Curso. Posteriormente aperfeiçoou-se junto de Radulescu, Torrent, Schnorr, Alain, Rogg e Houbard, entre outros. Na qualidade de solista, atua regularmente em festivais que têm lugar em Espanha e noutros países da Europa, da Ásia e da América, e, em música de câmara, já se apresentou com os agrupamentos Ministriles de Marsias, Il Trio Galante, Ensemble 415 e La Oropéndola. Entre os seus registos fonográficos contam-se Tañer con Arte, premiado com cinco estrelas pela revista Goldberg, e, como musicólogo, deve-se-lhe a nova edição e transcrição das obras para teclado de Jusepe Jiménez e de Frei Juan Bermudo. Javier Artigas desempenha atualmente as funções de diretor do Departamento de Música Antiga e catedrático de Órgão e Cravo no Conservatório Superior de Múrcia, bem como as de professor convidado do Departamento de Música Antiga da ESMUC (Barcelona) e de diretor técnico do Festival de Música Antiga de Daroca e das Jornadas Internacionais de Órgão de Saragoça. É também responsável pela conservação e restauro do património organístico da Região de Múrcia, de onde se destaca o Grande-Órgão Merklin-Schütze (1854). |
Notas ao Órgão
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Machico
Na documentação histórica anterior ao século XX constam observações que se referem a dois instrumentos: um foi oferecido, segundo a tradição historiográfica, em 1499, à Igreja de Nossa Senhora da Conceição pelo rei D. Manuel, e um outro adquirido em 1746. No que diz respeito ao órgão manuelino podemos deduzir que ele foi colocado no arco que se abre sobre o cadeiral do lado do Evangelho da capela-mor. No século XVIII, o estado de conservação deste órgão terá deixado muito a desejar, verificando-se a aquisição do segundo instrumento em 1746. O órgão chegou à Madeira em 1752, tendo o Conselho da Fazenda contribuído, inicialmente, nas despesas da sua compra e, posteriormente, nos custos da sua instalação.
O recente restauro, da responsabilidade de Dinarte Machado, teve como objetivo principal restituir, na medida do possível, a sua constituição original, seguindo as indicações dadas pelas próprias peças durante a desmontagem. Assim, no decorrer do restauro optou-se por uma filosofia de intervenção que tivesse sempre em conta as particularidades das peças originais, desde à configuração da caixa e policromia, à reposição da registação, tubaria, folaria, e até à colocação do instrumento no seu local original – a capela-mor. Ainda em relação à composição do instrumento, reintroduziu-se o meio-registo da mão direita, de palheta, que o órgão indicava possuir originalmente e que, de certa forma, o caracteriza. O teclado original, encontrado a monte e que se conseguiu recuperar, mantém a extensão da época com Oitava curta. Ficou completada, com grande rigor, a nova tubaria de acordo com as características que os poucos tubos originais conservados evidenciavam, comparada com as próprias indicações e dimensões do someiro, que também foi minuciosamente estudado e documentado.
Não há dúvidas que se trata de um dos mais belos órgãos da Ilha da Madeira, sendo um dos instrumentos que conserva algumas das mais relevantes características da organaria do século XVII em Portugal. É de salientar ainda que o trabalho de restauro desencadeado nesta peça exigiu o estudo de muita documentação, assim como comparações com outros órgãos da época. Uma vez que tais instrumentos não existem em Portugal, teve de se recorrer a dados em outros países.
Manual (C, D, E, F, G, A-c’’’)
Flautado de 12 palmos (8’)
Flautado de 6 palmos (4’)
Flauta doce
Dozena (2 2/3’)
Voz humana (c#’-c’’’)
Quinzena (2’)
Composta de 19ª e 22ª
Sesquialtera II (c#’-c’’’)
Clarim* (c#’-c’’’)
* palhetas horizontais