Sábado, 27 de outubro, 21h30
Igreja de São João Evangelista (Colégio)
Roberto Antonello, órgão
Giovanni Gabrieli, de cuja morte se comemoram os quatrocentos anos, foi organista de São Marcos em Veneza. Conhecido pela grande música instrumental, que recorre amplamente à prática policoral, atingiu níveis altíssimos sobretudo nas Sacrae Symphoniae. As composições organísticas não são muitas, especialmente se comparadas com a produção do seu tio Andrea Gabrieli e de Claudio Merulo. A Tocata que abre o concerto inicia-se com uma lenta escala ascendente. O clima austero dá rapidamente lugar às diminuições que dão vida aos elementos virtuosísticos cada vez mais desenvolvidos até à última secção, na qual rápidas figurações simultâneas por movimento contrário atingem o clímax da obra. Em seguida, uma Fuga (na realidade trata-se de um movimento em estilo imitativo), de carácter quase jocoso e com um andamento bastante rápido, confirma a autonomia já atingida das formas organísticas, ao lado das quais permanecem em uso as formas de clara origem instrumental, como a canzona La Spiritata, na qual as imitações dos instrumentos de sopro e a policoralidade são elementos facilmente reconhecíveis.
Com um salto de cerca de um século, chegamos ao concerto solista, aqui representado pelo famoso Concerto em ré menor de Alessandro Marcello. Este concerto foi adaptado ao órgão por Johann Sebastian Bach, o qual conheceu bem as formas e o estilo em voga na época. Através das transcrições dos concertos para violino de Vivaldi (não faltando referências a Legrenzi e Corelli) e as cópias para estudo de obras de Grigny e Couperin, Bach adquire os meios técnicos e expressivos que utilizará nas composições mais maduras. A partita Sei gegrüsset, Jesu gütig permite apreciar esta variedade: o uso do duo, trio ou basse de trompette mistura-se com variações de carácter mais íntimo, nas quais a sonoridade brilhante do órgão se alternam com outras mais neutras e suaves que recordam, também na escrita, o cravo e o clavicórdio utilizados no ambiente doméstico.
Benedetto Marcello, irmão de Alessandro, é o autor de um bom número de sonatas para instrumentos de tecla. Sob a designação geral de «sonata» encontram-se diversas formas (fuga, giga), mesmo se maioritariamente se tratam de peças monotemáticas e bipartidas. Uma tal construção presta-se à ornamentação e à execução das repetições com uma registação diferente.
O Prelúdio e fuga em dó menor de Johann Sebastian Bach caracteriza-se por uma forte tensão determinada quer pela tonalidade, quer pelas modulações a tons distantes. A alternância dos acordes iniciais, à distância de uma oitava, recorda vagamente a policoralidade renascentista, à qual se opõem elementos melódicos (suspirans) e harmónicos (progressões) típicos da época barroca. Os elementos de contraste não se limitam a isto, pois, após o início, é evidente a contraposição de ritmos binários e ternários. A fuga, em estilo grave, é construída recorrendo ao intervalo de sétima diminuta utilizado em notas arpejadas. A densidade das vozes faz desta fuga uma obra-prima que exalta a polifonia, concluindo com grande ênfase (uma cadência redundante) na tonalidade de Dó maior.
Roberto Antonello
Recital de Órgão
Giovanni Gabrielli (ca. 1555-1612)
Toccata (Tablatura de Turim, 1637-40)
Fuga (Tablatura de Turim, 1637-40)
Canzon detta «La Spiritata» (de Girolamo Diruta, Il Transilvano, 1625)
Johann Sebastian Bach (1685-1750)
Concerto em ré menor BWV 974
(transcrição do Concerto em ré menor para oboé e orquestra de Alessandro Marcello)
[Allegro]
Adagio
Presto
Partita Sei gegrüsset, Jesu gütig, BWV 768
Benedetto Marcello (1686-1739)
Sonata em Sol maior
Johann Sebastian Bach
Prelúdio e fuga em dó menor, BWV 546
Participantes
Roberto Antonello Nascido em 1967, graduou-se em órgão e composição para órgão (cum laude), na música coral e em direção de coros na Universidade de Bolonha com uma dissertação final sobre os Treois Chorals de César Franck. Em 1993, sob a orientação de D. Roth, graduou-se com o Premier Prix d’Excellence no CNM em Issy-les Moulineaux (Paris). Ganhou prémios em concursos nacionais e internacionais entre 1987 e 2000, entre eles o 2º Prémio de Interpretação no XVII Concurso Internacional de Órgão Grand Prix de Chartres 200 (o único italiano admitido à ronda final na história de 36 anos do concurso). Tem tocado nos maiores festivais e séries de concertos nas maiores cidades italianas, na União Europeia, na Suíça, na Croácia, no Uruguai, no Brasil e no Canadá. Ativo como musicólogo, publicou os Vesprei de S. Ignacio e a Misa a San Ignacio (Edições Pizzicato) de Domenico Zipoli e Principia seu Elementa ad bene Pulsandum Organum et Cimbalum (Edições Missions Prokur – Armelin) provindo das missões do século XIII da América Latina. Como compositor, escrevei Via Crucis, uma obra multimédia para órgão histórico, e uma transcrição para dueto de órgão de Pedro e o Lobo de Prokofiev, editada pela Ricordi. Tem participado como membro de júri em vários concursos nacionais e internacionais. Em 1994, a seguir ao seu sucesso no concurso nacional de professores de órgão nos conservatórios, foi nomeado, no mesmo ano, professor titular de órgão e de composição para órgão: dá aulas no Conservatório Pedrollo em Vicenza, onde também é chefe dos estudos de órgão desde 2005 e Diretor adjunto desde 2010. |
Notas ao Órgão
Igreja de São João Evangelista (Colégio), Funchal
Este instrumento, com os seus 1586 tubos sonoros, integra-se num espaço sagrado de características bem particulares. Tratando-se de uma igreja de arquitetura típica dos colégios jesuítas, com uma nave de admirável amplitude e com acústica bastante amena, o órgão tinha de ser concebido, especialmente no que diz respeito às medidas dos tubos, com cuidado muito especial e singular. Assim, toda a tubaria deste instrumento, talhada em medidas largas, ecoa com intensa profundidade, e cada registo emite uma sonoridade com personalidade própria, fazendo parte de um conjunto harmónico mais baseado em sons fundamentais e menos em timbres resultantes dos harmónicos. Entendeu-se que seria indispensável doar este instrumento de uma certa “latinidade” sonora capaz de favorecer a execução de música antiga das escolas italiana, espanhola e portuguesa dos séculos XVII e XVIII.
Outro aspeto tomado em conta foi a necessidade de complementar o panorama organístico atual e local: o novo grande órgão presta-se, de uma forma ideal, para a realização de obras de épocas e de exigências técnico-artísticas para as quais nenhum dos 24 instrumentos históricos da Madeira oferece as condições adequadas, valorizando, para além disso, o conjunto do património organístico da Ilha da Madeira através da sua própria existência neste particular espaço sagrado, bem como por meio da sua convivência com os espécimes históricos. Na própria decisão de o colocar na Igreja do Colégio foram tomados em conta não apenas o espaço acústico, estético e litúrgico, mas também o facto de nele existir um importante órgão histórico que faz parte do rol dos instrumentos atualmente em via de serem restaurados.
I Manual - Órgão Principal (C-g’’’)
Flautado aberto de 12 palmos (8’)
Flautado tapado de 12 palmos (8’)
Oitava real (4’)
Tapado de 6 palmos (4’)
Quinzena (2’)
Dezanovena e 22ª
Mistura III
Corneta IV
Trompa de batalha* (mão esquerda / bass)
Clarim* (mão direita / treble)
Fagote* (mão esquerda / bass)
Clarineta* (mão direita / treble)
II Manual - Órgão Positivo (C-g’’’)
Flautado aberto de 12 palmos (8’)
Tapado de 12 palmos (8’)
Flautado aberto de 6 palmos (4’)
Dozena (2 2/3’)
Quinzena (2’)
Dezassetena (1 3/5’)
Dezanovena (1 1/3)
Címbala III
Trompa real (8’)
Pedal (C-f’)
Tapado de 24 palmos (16’)
Bordão de 12 palmos (8’)
Flautado de 6 palmos (4’)
Contrafagote de 24 palmos (16’)
Trompa de 12 palmos (8’)
Acoplamentos
II/I
I/Pedal
II/Pedal
* palhetas horizontais