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D 14Quarta-feira, 24 de outubro, 21h30 
Igreja de São João Evangelista (Colégio) 


Michel Bouvard, órgão 


O programa deste recital é nitidamente orientado para a música alemã. No entanto, desejei propor um «aperitivo» com algumas peças francesas dos séculos XVI e XVII, que permitirão ouvir os diferentes registos do instrumento.

As Danceries de Claude Gervaise e de outros compositores anónimos do século XVI são as mais antigas músicas impressas em França. Foram destinadas a pequenos conjuntos instrumentais da época mas soam muito bem no órgão. Estas Danceries da Renascença (os diversos tipos de Branles que eram dançadas na alta sociedade) têm um carácter muito cativante pelos contrastes de dinâmica que se podem obter no órgão, não só através da registação como pela forma de abordar o teclado.

Louis Couperin foi o tio do grande François Couperin. Organista e violista do Rei, representa, no meio do século XVII francês, o traço de união entre a música «antiga» baseada no contraponto (Titelouze, Du Caurroy) e a música «moderna» influenciada pela ópera, pelo recitativo, pela melodia acompanhada (Nivers, Lebègue, Grigny, Marchand...). Foi o autor dos primeiros Basses de tierce, que viriam a dar origem aos Basses de trompette e que imitam precisamente os Basses de viole. Escolhi quatro das suas Fantaisies pour l'orgue, que são miniaturas de escrita muito erudita em forma de fuga ou de solo acompanhado.

A parte alemã do programa, que nos conduzirá até Johann Sebastian Bach, começa por evocar a grande escola da Alemanha do Norte, com um Prelúdio de Heinrich Scheidemann, organista hamburguês da primeira geração de alunos de Sweelinck em Amesterdão. Segue-se uma passagem obrigatória pelo maior compositor para órgão anterior a Bach, Dieterich Buxtehude, a quem o jovem Cantor de vinte anos iria visitar a Lübeck, percorrendo a pé as centenas de quilómetros que o separavam da sua Alemanha central. Duas obras emblemáticas evocam aquele grande mestre: a Passacalha em ré menor, obra cheia de simbolismo que terá inspirado a Passacalha de Bach, e um prelúdio de coral sobre o canto de Advento Nun komm, der Heiden Heiland. Bach também se inspirou nesta peça para escrever o seu próprio coral ornamentado, contido na coleção de Leipzig. O coral de Bach, de dimensão imponente e sublime, é, de certa forma, o «desenvolvimento» do de Buxtehude. Por esse motivo, o ouviremos imediatamente a seguir. Seguem-se mais dois prelúdios de coral, desta vez ambos de Bach, sobre outra melodia luterana de carácter profundamente emocionante: Liebster Jesu, wir sind hier. Em contraste, seguir-se-á a famosa Pièce d'Orgue, que inclui indicações de tempo e de carácter redigidas por Bach em francês (Vitement). Esta peça será – diz-se – uma evocação das três etapas da vida humana: juventude, maturidade, velhice. A última linha e a cadência final evocarão, por ventura, a beatitude da vida eterna?

Para terminar este concerto, desejei propor uma pequena abertura ao mundo romântico. Se os compositores românticos alemães, como Mendelssohn ou Schumann, escreveram algumas peças originais para órgão, é claro que consagraram o seu génio mais manifesto ao piano, em obras do mais alto nível. A tentação de se «apropriar» destas obras primas sempre existiu para os organistas e as transcrições foram numerosas ao longo dos tempos. Eis, pois, a mais bela das transcrições das Variations sérieuses, que são sem dúvida a obra mais célebre de Mendelssohn para piano. Esta transcrição foi realizada pelo organista Reitze Smits, que não hesitou, à imagem de Bach transcrevendo os concertos de Vivaldi, em modificar a escrita de algumas passagens, simplificando-as normalmente, com o objetivo de as fazer soar melhor no órgão. Cada uma das dezassete variações põe em evidência uma registação e uma dinâmica diferentes. No final, pode-se dizer que o próprio Mendelssohn não renegaria esta adaptação da sua obra-prima ao órgão.

Michel Bouvard


Recital de Órgão 

Claude Gervaise e anónimos do séc. XVII 
Danças da Renascença francesa 
Branle de Champaigne 

Branle de Bourgogne
Allemande
Branle gay
Branle simple

Louis Couperin (1626-1661)
Fantaisie nº 26
Fantaisie nº 12
Fantaisie nº 58 sur la tierce du grand clavier, avec le tremblant lent
Fantaisie nº 59

Heinrich Scheidemann (1595-1663)
Praeambulum in d

Dietrich Buxtehude (1637-1707)
Passacaglia in d Bux WV 161
Prelúdio de coral Nun komm der Heiden Heiland BuxWV 211

Johann Sebastian Bach (1685-1750)
Prelúdio de coral Nun komm’ der Heiden Heiland (orné) BWV 659
Prelúdio de coral Liebster Jesu, wir sind hier BWV 730
Prelúdio de coral Liebster Jesu, wir sind hier BWV 731
Pièce d’orgue BWV 572

Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847)

Variations sérieuses, Op. 54 (transcrição para órgão de Reitze Smits)


Participantes


 

Michel BouvardMichel Bouvard

Michel Bouvard nasceu em 1958 em Lyon. O seu avô, Jean Bouvard (aluno de Louis Vierne) transmitiu-lhe desde jovem a paixão pela música. Após estudos pianísticos em Rodez e em Paris, trabalhou com Suzane Chaisemartin, entrando seguidamente na classe de André Isoir em Orsay. Completou a sua formação com os organistas de Saint.Séverin (Jean Boyer, Francis Chapelet, Michel Chapuis), antes de ser ele próprio organista titular daquele instrumento. Um primeiro prémio no Concours International de Toulouse (1983) marcou o início da sua carreira. Chamado por Xavier Darasse para o suceder na classe de órgão do Conservatório de Toulouse, prossegue com fervor uma ação em prol do património organístico daquela cidade, organizando com o seu colega Jan Willem Jansen concertos, visitas, academias, concursos internacionais... Todo este trabalho culminaria com a criação, em 1996, do Festival International «Toulouse-les-orgues». É titular do órgão histórico da Basílica de Saint-Sernin em Toulouse. Reconhecido internacionalmente, é convidado para integrar júris de grandes concursos de órgão e a sua carreira de concertista e professor leva-o regularmente a uma vintena de países da Europa, Ásia e do continente americano.


Notas ao Órgão


 

D 41Igreja de São João Evangelista (Colégio), Funchal

Este instrumento, com os seus 1586 tubos sonoros, integra-se num espaço sagrado de características bem particulares. Tratando-se de uma igreja de arquitetura típica dos colégios jesuítas, com uma nave de admirável amplitude e com acústica bastante amena, o órgão tinha de ser concebido, especialmente no que diz respeito às medidas dos tubos, com cuidado muito especial e singular. Assim, toda a tubaria deste instrumento, talhada em medidas largas, ecoa com intensa profundidade, e cada registo emite uma sonoridade com personalidade própria, fazendo parte de um conjunto harmónico mais baseado em sons fundamentais e menos em timbres resultantes dos harmónicos. Entendeu-se que seria indispensável doar este instrumento de uma certa “latinidade” sonora capaz de favorecer a execução de música antiga das escolas italiana, espanhola e portuguesa dos séculos XVII e XVIII.

Outro aspeto tomado em conta foi a necessidade de complementar o panorama organístico atual e local: o novo grande órgão presta-se, de uma forma ideal, para a realização de obras de épocas e de exigências técnico-artísticas para as quais nenhum dos 24 instrumentos históricos da Madeira oferece as condições adequadas, valorizando, para além disso, o conjunto do património organístico da Ilha da Madeira através da sua própria existência neste particular espaço sagrado, bem como por meio da sua convivência com os espécimes históricos. Na própria decisão de o colocar na Igreja do Colégio foram tomados em conta não apenas o espaço acústico, estético e litúrgico, mas também o facto de nele existir um importante órgão histórico que faz parte do rol dos instrumentos atualmente em via de serem restaurados.

I Manual - Órgão Principal (C-g’’’)

Flautado aberto de 12 palmos (8’)
Flautado tapado de 12 palmos (8’)
Oitava real (4’)
Tapado de 6 palmos (4’)
Quinzena (2’)
Dezanovena e 22ª
Mistura III
Corneta IV
Trompa de batalha* (mão esquerda / bass)
Clarim* (mão direita / treble)
Fagote* (mão esquerda / bass)
Clarineta* (mão direita / treble)

II Manual - Órgão Positivo (C-g’’’)

Flautado aberto de 12 palmos (8’)
Tapado de 12 palmos (8’)
Flautado aberto de 6 palmos (4’)
Dozena (2 2/3’)
Quinzena (2’)
Dezassetena (1 3/5’)
Dezanovena (1 1/3)
Címbala III
Trompa real (8’)

Pedal (C-f’)

Tapado de 24 palmos (16’)
Bordão de 12 palmos (8’)
Flautado de 6 palmos (4’)
Contrafagote de 24 palmos (16’)
Trompa de 12 palmos (8’)

Acoplamentos / Couplers

II/I
I/Pedal
II/Pedal

* palhetas horizontais