Sexta-feira, 28 de outubro, 21h30
Igreja de São Martinho (Funchal)
A diminuição no séc. XVII, nas catedrais mediterrânicas
Tiago Simas Freire, corneto
João Vaz, órgão
A diminuição no séc. XVII, nas catedrais mediterrânicas
A idade de ouro da corneta histórica situa-se principalmente no norte de Itália entre 1580 e 1630, mas a sua prática desenvolveu-se por toda a Europa e ao longo de mais de dois séculos. Todas as catedrais, capelas de nobres e orquestras de corte teriam que incluir bons cornetistas entre os seus instrumentistas. Na Península Ibérica a corneta aparece nos efetivos das catedrais espanholas desde o início da segunda metade do séc. XVI e em Portugal o primeiro registro data de 1593 na Sé de Évora onde permanecerá em uso pelo menos até 1725. Nos nossos dias, o público em geral associa facilmente a corneta à Toccata que abre o Orfeo de Monteverdi. Mas que outros repertórios seriam interpretados especificamente pelos cornetistas? O presente programa é constituído como um pequeno panorama em diálogo entre a corneta e o órgão, seu cúmplice inseparável. Ao serviço das diversas instituições eclesiásticas, a corneta seria o ornamento de várias e numerosas canzonas e sinfonias. Para além disso, o repertório virtuoso para a corneta seriam sobretudo “diminuições” ou “glosas”, ou seja improvisações solistas sobre o repertório polifónico. Muitos instrumentistas gravaram esta arte em tratados didáticos, entre os quais o cornetista Girolamo dalla Casa que assumiu o cargo de diretor do agrupamento instrumental ao serviço da capela ducal de São Marcos de Veneza. Em verdade, a arte do cornetista (e de qualquer instrumentista) consiste neste período em imitar os cantores. Giovanni Bovicelli, cantor soprano que esteve ao serviço da Capela Sistina, deixou-nos um tratado em que descreve a arte vocal com minúcia. Finalmente, nas funções do cornetista incluir-se-ia igualmente a interpretação de arias e de “suaves melodias” de câmara, bem como suites de música para dança nos inúmeros bailes. Ainda que uma dezena de cantatas de Johann Sebastian Bach mencionem a sua utilização, a corneta cairá em desuso a partir de meados do século XVIII sendo substituída pelo violino na música virtuosa, pelo oboé na música sacra e de câmara e pela trompete na música cerimonial.
Tiago Simas Freire
Claudio Monteverdi (1567-1643)
¬ tocata e ritornello
(L’orfeo, 1609)
Girolamo Frescobaldi (1583-1646)
¬ Canzon seconda
¬ Toccata per l’elevatione *
(Fiori musicali, 1635)
Bartholomeu Trosilho (1500-1567)
¬ Circumdederunt me
(Diminuição de tiago Simas Freire)
Giovanni Gabrieli (c.1554-1612)
¬ Toccata del secondo tono *
(Il Transilvano, 1625)
Thomas Crecquillon (1505-1557) / Giovanni dalla Casa (?-1601)
¬ Petite eur coincte et jolie (chanson glosada)
(Il vero modo di diminuir, 1584)
Antonio Valente (1520-1581)
¬ Lo ballo dell’intorcia *
Andrea Falconiero (1585/6-1656)
¬ La suave melodia & su corrente
Anónimo (Itália, séc. XVII)
¬ Aria con variationi *
(Ms. 964, Arquivo Distrital de Braga)
Cipriano di Rore (1515/6-1565) / Giovanni Bovicelli (1550-1594)
¬ Anchor che col partirò (madrigal glosado)
Bernardo Storace (séc. XVII)
¬ Balletto *
(Selva di varie compositioni, 1664)
Salomone Rossi (c.1570-1630)
¬ Correnta
¬ Brando
¬ Gagliarda
Claude Gervaise (1525-1583)
¬ Pavane
¬ Gaillarde
¬ Bransle de Bourgogne
¬ Tourdion
(Livres de danceries, 1547-1557)
* órgão solo
Participantes
Tiago Simas Freire Com três Mestrados (Arquitetura, Flauta de bisel e Corneta histórica) e um Doutoramento em curso, Tiago Simas Freire é movido por um espírito desperto e fascinado pela criação artística humana. Passando pelos departamentos de Música Antiga da ESMAE no Porto, ESMUC em Barcelona e CNSMD em Lyon, o Tiago teve a oportunidade de estudar com grandes músicos que se tornaram referências pessoais: flauta de bisel com Pedro Sousa Silva, Pedro Memelsdorff e Pierre Hamon; e corneta histórica com William Dongois e Jean Tubéry. O seu presente Doutoramento (CNSMD de Lyon / Universidade de St Etienne / Universidade de Coimbra) é um trabalho de investigação e práticas interpretativas sobre fontes musicais portuguesas inéditas do século XVII. Em 2012 e 2015 foi premiado com uma bolsa ADAMI. Apresenta-se regularmente em concerto com diversos agrupamentos nomeadamente La Fenice (Jean Tubéry), Concerto Soave (Jean-Marc Aymes), Cappella Mediterranea (Leonardo Garcia-Alaron). É diretor artístico da Capella Sanctae Crucis onde revela o seu trabalho de doutoramento estando atualmente a preparar o seu primeiro CD. Tiago Simas Freire lecionou seminários na ESMAE e nos Conservatórios de Aveiro e de Coimbra. Foi conferencista no Centro Cultural de Ambronay (França) e na Universidade de Coimbra. É assistente de William Dongois num projeto de investigação da Haute-Ecole de Musique de Genebra. Desde 2014 é professor de corneta histórica e ornamentação nos Cursos Internacionais de Música Antiga ESMAE/ESML. |
João Vaz Natural de Lisboa, João Vaz é diplomado em Órgão pela Escola Superior de Música de Lisboa, sob a orientação de Antoine Sibertin-Blanc, e pelo Conservatório Superior de Música de Aragão, em Saragoça, onde estudou com José Luis González Uriol, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. É também doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora, tendo defendido, sob a orientação de Rui Vieira Nery, uma tese sobre a música portuguesa para órgão no final do Antigo Regime. Tem mantido uma intensa actividade a nível internacional, quer como concertista, quer como docente em cursos de aperfeiçoamento organístico, ou membro de júri de concursos de interpretação. Efetuou mais de uma dezena de gravações discográficas a solo, salientando-se as efectuadas em órgãos históricos portugueses. Como executante e musicólogo tem dado especial atenção à música sacra portuguesa, fundando em 2006 o grupo Capella Patriarchal, que dirige. O seu trabalho de edição musical, objecto de publicação em Portugal e em Espanha, abrange obras conservadas em diversas bibliotecas e arquivos nacionais. Leciona atualmente Órgão na Escola Superior de Música de Lisboa. É atualmente diretor artístico do Festival de Órgão da Madeira e das séries de concertos que se realizam nos seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (de cujo restauro foi consultor permanente) e no órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa (instrumento cuja titularidade assumiu em 1997). |
Notas ao Órgão
Igreja de São Martinho (Funchal)
A referência documental mais antiga que conseguimos encontrar relativamente à existência de um órgão de tubos na Igreja Paroquial de São Martinho remonta a 1806. De acordo com um registo lançado pelo tesoureiro da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, foi contratado, em 1806, um organista para afinar o órgão, verificando-se outras informações mais tardias relacionadas com intervenções de manutenção.
No registo da despesa do ano de 1862, lançada no Livro da Fábrica (1834-1877), o Vigário José Rodrigues de Almada anotava a quantia de 200.000 réis para pagamento do órgão novo, especificando que 150.000 réis foram aplicados pela Fábrica da Igreja, 40.000 réis transitaram do valor que foi pago sobre o antigo órgão e 10.000 réis foram oferecidos, perfazendo assim o preço real do instrumento.
Através desta fonte não foi possível determinar em que condições o seu transporte foi efectuado, nem mesmo onde foi adquirido. O certo é que, em 1863, o órgão encontrava-se já na igreja, pois, nesse mesmo ano, o Padre João G. de Noronha era contratado para afinar o referido instrumento, recebendo pelo seu trabalho 2.000 réis.
Verificada a transferência da paróquia para a nova igreja, sagrada em 1918, o órgão foi então levado para o novo templo, onde funcionou até 1934. Conforme os registos encontrados no Livro da Fábrica (1877-1954), o órgão foi objecto de sucessivas intervenções de manutenção, sendo as intervenções mais dispendiosas realizadas em 1879 (pagamento de 38.000 réis a Nuno Rodrigues) e, em particular, em 1916, pela circunstância de se encontrar muito desafinado e com várias deficiências técnicas.
Enquanto instrumento de acompanhamento e dignificação das celebrações religiosas, o órgão da Igreja de São Martinho terá participado nas diversas solenidades, tendo em 1917 sido registado no Livro da Fábrica uma receita de 10$700 “proveniente da contribuição do órgão nos festejos”.
Manual (GG, AA, C-f´´´)
Stop Diapason Bass (Sol1-si)
Stop Diapason Treble (dó1-fá3)
Principal
Flute
Dulciana