Quarta-feira, 25 de outubro, 21h30
Igreja de Santa Luzia
A tradição inglesa
William Whitehead, órgão
A tradição inglesa
Este programa centra-se na tradição nativa inglesa durante três séculos. Enquanto a construção de órgãos na Europa continental se desenvolveu enormemente, o órgão inglês permaneceu relativamente pequeno entre os séculos XVI e XIX. A pedaleira só foi introduzida no século XVIII tardio, mas poucos compositores escreveram música que a utilizasse antes das visitas de Mendelssohn a partir da década de 1820. É, portanto, perfeitamente possível tocar uma grande variedade de estilos musicais no órgão da Santa Luzia.
William Byrd talvez tenha sido moço de coro na Catedral de São Paulo em Londres, e provavelmente estudou com Thomas Tallis, mas pouco se sabe da sua juventude. Mais tarde tornou-se Gentleman of the Royal Chapel. Esta Fantasia em Dó foi incluída na coletânea My Lady Nevells Book, copiada em 1591.
Querelas religiosas surgiram na Grã-Bretanha mais uma vez no século XVII, quando houve brevemente uma república, sem monarca. Após a restauração do rei, Carlos II, houve de novo um florescimento da música. A Abadia de Westminster gozou os frutos dos trabalhos de John Blow e Henry Purcell, que refletiram a afluência dos estilos francês e italiano no país. O Cornet Voluntary em ré menor de Blow é reminiscente, talvez, de um récit francês, e fornece uma oportunidade de ouvirmos o cornet dividido neste órgão. A ornamentação aqui e no Voluntary de Purcell é decididamente francesa.
Um órgão de dois manuais foi instalado na Abadia de Westminster durante a vida de Purcell, e talvez o seu Double Voluntary em ré menor tenha sido escrito para demonstrar as suas novas capacidades. Uma versão reduzida da obra, tocável num só manual, também existe, e é esta que toco hoje.
A dinastia georgiana trouxe novos gostos musicais, impulsionados em grande parte por George Frederick Handel, que começou a residir em Inglaterra durante o novo reinado. Thomas Arne era organista da embaixada da Sardenha, e entre outras coisas compôs o hino nacional da Grã-Bretanha. A sua produção é composta em grande parte por música teatral e de circunstância. Parece que este concerto foi escrito para o seu filho, Michael. Thomas Roseingrave era irlandês, mas tinha passado tempo em Itália estudando com Domenico Scarlatti. Esta Fuga em fá menor é característica do seu estilo bastante experimental, cheio de meandros cromáticos. Foi nomeado organista de igreja de São Tomás, em Hanover Square, onde Handel era membro da congregação. William Walond foi descrito como “Organista em Oxford”. Uso uma primeira edição deste Voluntary, escrito para o registo de trompete. Representando o último florescimento do “antigo estilo organístico inglês”, toco um voluntary de Thomas Adams, conhecido como o “Thalberg do órgão”. A sua música exige alguma destreza, em especial os seus andamentos fugados muito densos.
Termino com três compositores alemães. Embora Bach não viajasse a Inglaterra, que se saiba, os outros dois não só viajaram, mas emigraram. Handel tornou-se o músico favorito dos reis, compondo óperas e oratórios para o público de Londres. Estas duas obras vieram de relógios musicais de Charles Clay, e foram programados em c. 1738. As três obras de Bach são os seus contributos manualiter para a secção do Kyrie no Clavierübung (1739). Para terminar, toco seleções do gigantesco Voluntary em Dó de Pepusch. Pepusch estabeleceu-se em Londres e trabalhou, com Handel, para o Duque de Chandos. Cada andamento demostra uma cor diferente do órgão.
Música da era elisabetana
William Byrd (c. 1539-1623)
¬ Fantasia in C
(My Lady Nevells Book)
Música do período da Restauração
John Blow (1649-1708)
¬ Voluntary in d [for the cornet stop]
Henry Purcell (c.1659-95)
¬ Voluntary in d, Z718
Música da Inglaterra georgiana
Thomas Arne (1710-78)
¬ Allegro
(Concerto nº1 em Dó maior)
Thomas Roseingrave (1688-1766)
¬ Fuga em fá menor
William Walond (1719-68)
¬ Voluntary IV em Ré maior, Op. 2
› Grave
› Moderato
Música do século XIX
Thomas Adams (1785-1858)
¬ Voluntary em Ré maior
› Adagio
› Allegro
Três alemães
Georg Friedrich Haendel (1685-1759)
¬ Sixth Air
¬ Gigue
(Pieces for a Musical Clock)
Johann Sebastian Bach (1685-1750)
¬ Prelúdio de coral «Kyrie, Gott Vater in Ewigkeit», BWV 672
¬ Prelúdio de coral «Christe, aller Welt Trost», BWV 673
¬ Prelúdio de coral «Kyrie, Gott heiliger Geist», BWV 674
John Christopher Pepusch (1667-1752)
¬ Voluntary em Dó maior
› Largo
› Flute
› Slow
› Full organ
Participantes
William Whitehead A carreira de William Whitehead como organista lançou-se quando ganhou o Primeiro Prémio do Concurso Internacional de Órgão de Odense na Dinamarca em 2004. Formado na Universidade de Oxford e na Real Academia de Música em Londres, os seus professores incluíram David Sanger e Dame Gillian Weir. Ganhou valiosa inspiração durante o seu ano como Organ Scholar na Westminster Abbey, onde tocou para as cerimónias e ocasionalmente dirigiu o coro. Em consequência foi nomeado Organista Assistente na Catedral de Rochester, onde acompanhou o coro da Catedral e ajudou a fundar o novo Coro Infantil Feminino. Atualmente combina uma carreira como organista de concerto, professor e escritor. Recentemente deu seis concertos a solo na Catedral de Berlim, na Laurenskerk em Rotterdam, na Catedral de Westminster, no Festival Toulouse les Orgues e em Treviso, Itália. Toca regularmente com grupos tais como o Dunedin Consort, a Academy of Ancient Music e o Gabrieli Consort, com quem gravou recentemente um dos concertos para órgão de Handel. Fez várias gravações a solo, incluindo o premiado Dances of Life and Death (música de Alain e Duruflé), as sonatas completas para órgão de Mendelssohn, e repertório inglesa no órgão histórico Abraham Jordan em Southall, Londres. Como professor, tem ensinado na Academia Real de Música e no Trinity College de Música, e agora ensina órgão tanto na Universidade de Oxford como na de Cambridge. Atualmente está à frente de um grande projeto internacional que visa completar o Orgelbüchlein com composições novas.
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Notas ao Órgão
Igreja de Santa Luzia
De acordo com os registos de despesas relativamente aos anos 1839 e 1841, verifica-se que foram efectuadas remunerações a cantores e organistas, facto que nos permite admitir, à partida, que a Igreja de Santa Luzia já dispunha de um órgão de tubos, provavelmente bem antigo, que viria a ser substituído com a chegada do instrumento proveniente do extinto Convento de São Francisco. Este segundo órgão foi adquirido no ano de 1834; no entanto, a sua deslocação para a Igreja de Santa Luzia só veio a acontecer em 1842, tendo o Padre Joaquim António Português anotado no Livro da Fábrica, a 15 de Janeiro desse ano, uma quantia extra para pagamento do seu transporte definitivo para a igreja: “50.000 réis que dei a quem diligenciou o órgão de S. Francisco para esta freguesia por não ter recebido e do diligenciador Fr. António das Dores ter falecido”.
No decorrer do século XX, este instrumento foi sujeito a inúmeras intervenções de manutenção, cujas despesas foram pagas em alguns momentos através de donativos atribuídos por diversos paroquianos. Segundo o registo do Livro da Fábrica, em 20 de Dezembro de 1902, o órgão era consertado pela quantia de 300$00 (réis ?) a expensas do Sr. Augusto Camarrinha, residente no Pará (Matos 1996: 44); em 1936 e em 1940 eram gastos 320$00 e 150$00 (escudos), respectivamente, para outros dois consertos do instrumento. Entre 1950, altura em que decorriam as obras de reparação do soalho e do coro, e 1963 seguiu-se uma nova, mas inadequada, intervenção que foi levada a cabo pelo mestre António Gomes Jardim, natural da Ribeira da Janela.
Não foi possível identificar o construtor do órgão. Manuel Valença descreve-o como um “órgão Positivo de fabrico inglês com características muito peculiares – um só manual, com sete registos inteiros e três partidos, considerado, no seu género, um dos melhores da Diocese” e Christopher Kent, professor do Departamento de Música da Universidade de Reading, na Inglaterra, regista a sua feitura em Inglaterra, datando-o, segundo a inscrição encontrada nos tubos, de 1815-1820. Acrescenta que é “um dos órgãos famosos, como alguns outros da mesma fábrica e época, que existem em Inglaterra".
Foi restaurado em 2013 pelo organeiro Dinarte Machado.
Manual (GG, AA, C-f´´´)
Open Diapason 8’
Stop Diapason (Sol1-si)
Stop Diapason (dó1-fá3’)
Bourdon 8’ (Sol1-si)
Principal 4’
Flute 4’ (dó1-fá3’)
Fifteenth 2’
Cornet (Sol1-si)
Sesquialtera (dó1-fá3)
Trumpet (fá1-fá3)