Quarta-feira, 24 outubro, 21H30
Igreja de São Martinho
O tesouro musical da Europa - Obras da biblioteca de D. João IV
Cornetas & Sacabuxas de Lisboa
João Vaz, órgão
Na História de Portugal, D. João IV é celebrado como o Restaurador da Independência, sucesso muito festejado mas cuja glória pertence principalmente aos conspiradores do 1º de Dezembro de 1640. No entanto a importância do monarca para a História da Música, essa pertence-lhe exclusivamente. Nascido D. João de Bragança a 19 de Março de 1604, a sua personalidade cultural floresce no meio extremamente erudito do Paço de Vila Viçosa. Desenvolve desde muito cedo um interesse profundamente especial pela música e torna-se compositor activo, tratadista rigoroso e colecionador ávido, ao ponto de criar aquela que terá sido na época a maior biblioteca musical da Europa: a Real Livraria de Música. Aí estariam reunidas obras incontáveis, em todos os géneros e línguas, em todos os estilos e efectivos, oriundas dos quatro cantos do continente. Com a subida ao trono do Sereníssimo Duque de Bragança, Sua Majestade muda-se para Lisboa e com ele segue a sua imensa biblioteca, tendo o destino reservado a sua destruição na catástrofe do 1º de Novembro de 1755. Ironicamente, conservou-se uma parte do catálogo, impresso em Lisboa em 1649 e por si só vastíssimo, através do qual podemos hoje apenas sonhar com essa extinta riqueza musical.
A diversidade de proveniências dos espécimes que compunham a Real Livraria de Música é bem representativa do cuidado posto na sua aquisição e do interesse de D. João IV pela atividade musical na Europa. Para além de muitas obras provenientes de Veneza, como as Symphoniae Sacrae e as Canzoni per Sonare, de Gabrieli, o Primo libro de Canzoni Francese a 4 & alcune Suonate de Viadana, e as Sonate da chiesa e da camera de Marini (1597, 1608, 1624 e 1655, respectivamente), encontarmos as Pavans, Galliards, Almains and other short Aeirs, foram publicadas em Londres (1599), os Ludi Musici de Scheidt em Hamburgo (1621) ou, evidentemente, as Flores de Música de Coelho, impressas em Lisboa (1620).
Ilustrando essa rica diversidade musical seiscentista europeia, e paralelamente homenageando a perdida biblioteca de D. João IV, o agrupamento “Cornetas e Sacabuxas de Lisboa” apresenta no seu concerto inaugural um programa europeu eclético de música instrumental usando como referência o catálogo da livraria de música do Rei melómano. Com obras italianas, francesas, germânicas, britânicas e portuguesas, percorremos a variedade musical especificamente instrumental que no século XVII se difundia pelos diversos centros culturais. Sendo a música a história viva do Homem, almejamos através deste programa reviver a emoção sonora dessas obras instrumentais que um dia preencheram as estantes ecléticas da maior biblioteca musical da Europa.
Tiago Simas Freire
Anthony Holborne (1545-1602)
¬ Pavan «Paradizo»
(Pavans, Galliards, Almains and other short Aeirs, 1599)
Giovanni Gabrieli (c. 1557-1612)
¬ Canzon prima «La spiritata»
(Canzoni per Sonare, 1608)
Girolamo Frescobaldi (1583-1643)
¬ Bergamasca *
(Fiori Musicali, 1635)
Ludovico Grossi da Viadana (c. 1560-1627)
¬ Canzon francesein risposta
(Per sonar nel’organo li cento concerti ecclesiastici, 1602)
Samuel Scheidt (1587-1654)
¬ Canzon «Cornetto»
(Ludi Musici, 1621)
Jan Pieterszoon Sweelinck (1562-1621)
¬ Il ballo del Granduca *
Nicolò Corradini (1585-1646)
¬ Suonata «La Golferama» a doi cornetti in risposta
(Primo libro de canzoni francese a 4 & alcune suonate, 1624)
Manuel Rodrigues Coelho (c. 1555-1635)
¬ Ave maris stella sobre o canto chão do tiple em mínimas
¬ Outra Ave maris stella sobre o canto chão do tenor de semibreves
¬ Kirios de 1º tom (5 versos) *
(Flores de música, 1620)
Diogo Alvarado (c. 1570-1643)
¬ 6º tom por Dsolre
(Ms. Biblioteca da Universidade de Coimbra, s.n.)
Eustache du Caurroy (1549-1609)
¬ Fantaisie a 5 sur «Une jeune fillette»
(Fantasies en III, IV, V et VI parties, 1610)
Jean Titelouze (c. 1563-1633)
¬ Magnificat du premier ton
(3 versos) *
(Le Magnificat [...], 1626)
Giovanni Gabrieli (c. 1557-1612)
¬ Canzon in echo
(Symphoniae sacrae, 1597)
Biagio Marini (1594-1663)
¬ Passacaglia a 4
(Sonate da chiesa e da camera, 1655)
Participantes
Cornetas & Sacabuxas de Lisboa Depois de vários anos colaborando juntos em diversas orquestras nacionais em projectos de repertórios do século XVII (nomeadamente Orquestra Barroca Casa da Música, Orquestra Gulbenkian e Ludovice Ensemble), decidimos criar em Portugal um agrupamento que assumisse a identidade da nossa partilha humana e musical. E assim, num almoço entre dois ensaios, nasceram os Cornetas & Sacabuxas de Lisboa, um colectivo dedicado ao reanimar daqueles instrumentos de sopro em Portugal – instrumentos hoje raros que, formando uma só família, foram outrora símbolo de majestosidade cerimonial. Após formações em conceituados centros europeus de interpretação historicamente informada (Basileia, Lyon, Genebra) e participações em inúmeras masterclasses, cada um de nós consagra boa parte da sua carreira à investigação e prática de repertórios dos séculos XVI e XVII. Enquanto Cornetas & Sacabuxas de Lisboa, visamos principalmente a partilha e divulgação dos instrumentos que nos dão nome. |
João Vaz Natural de Lisboa, João Vaz é diplomado em Órgão pela Escola Superior de Música de Lisboa, sob a orientação de Antoine Sibertin-Blanc, e pelo Conservatório Superior de Música de Aragão, em Saragoça, onde estudou com José Luis González Uriol, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. É também doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora, tendo defendido, sob a orientação de Rui Vieira Nery, uma tese sobre a música portuguesa para órgão no final do Antigo Regime. Tem mantido uma intensa atividade a nível internacional, quer como concertista, quer como docente em cursos de aperfeiçoamento organístico, ou membro de júri de concursos de interpretação, e efetuou mais de uma dezena de gravações discográficas a solo. A atenção que, enquanto executante e musicólogo, tem dado à música sacra portuguesa, manifesta-se nos seus artigos, edições musicais e na criação, em 2006, do grupo Capella Patriarchal, que dirige. Leciona atualmente Órgão na Escola Superior de Música de Lisboa e é director artístico do Festival de Órgão da Madeira e das séries de concertos que se realizam nos seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (de cujo restauro foi consultor permanente) e no órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa (instrumento cuja titularidade assumiu em 1997). |
Notas ao Órgão
Igreja de São Martinho (Funchal)
A referência documental mais antiga que conseguimos encontrar relativamente à existência de um órgão de tubos na Igreja Paroquial de São Martinho remonta a 1806. De acordo com um registo lançado pelo tesoureiro da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, foi contratado, em 1806, um organista para afinar o órgão, verificando-se outras informações mais tardias relacionadas com intervenções de manutenção.
No registo da despesa do ano de 1862, lançada no Livro da Fábrica (1834-1877), o Vigário José Rodrigues de Almada anotava a quantia de 200.000 réis para pagamento do órgão novo, especificando que 150.000 réis foram aplicados pela Fábrica da Igreja, 40.000 réis transitaram do valor que foi pago sobre o antigo órgão e 10.000 réis foram oferecidos, perfazendo assim o preço real do instrumento.
Através desta fonte não foi possível determinar em que condições o seu transporte foi efectuado, nem mesmo onde foi adquirido. O certo é que, em 1863, o órgão encontrava-se já na igreja, pois, nesse mesmo ano, o Padre João G. de Noronha era contratado para afinar o referido instrumento, recebendo pelo seu trabalho 2.000 réis.
Verificada a transferência da paróquia para a nova igreja, sagrada em 1918, o órgão foi então levado para o novo templo, onde funcionou até 1934. Conforme os registos encontrados no Livro da Fábrica (1877-1954), o órgão foi objecto de sucessivas intervenções de manutenção, sendo as intervenções mais dispendiosas realizadas em 1879 (pagamento de 38.000 réis a Nuno Rodrigues) e, em particular, em 1916, pela circunstância de se encontrar muito desafinado e com várias deficiências técnicas.
Enquanto instrumento de acompanhamento e dignificação das celebrações religiosas, o órgão da Igreja de São Martinho terá participado nas diversas solenidades, tendo em 1917 sido registado no Livro da Fábrica uma receita de 10$700 “proveniente da contribuição do órgão nos festejos”.
Manual (GG, AA, C-f´´´)
Stop Diapason Bass (Sol1-si)
Stop Diapason Treble (dó1-fá3)
Principal
Flute
Dulciana