Segunda-feira, 22 outubro, 21H30
Sé do Funchal
A inspiração do Canto Gregoriano
Grupo Vocal Lusiovoce
Sérgio Silva, órgão
Clara Coelho, direção
O Canto Gregoriano – expressão geralmente usada para designar o conjunto de monodias desenvolvido sobretudo a partir do final do século VIII e que se afirmaria como linguagem musical oficial da Igreja Católica – constituiu, ao longo da História da Música, uma fonte inesgotável de inspiração para a composição. Esta inspiração é visível em obras de origem tão diversa como os organa de Léonin (uma das primeiras manifestações da polifonia, onde uma das vozes reproduz, em valores longos, uma melodia litúrgica), a Symphonie fantastique de Berlioz (que cita, no seu 3º andamento, a frase inicial do Dies irae), ou o Requiem de Duruflé (no qual todas as secções são construídas sobre as melodias gregorianas da Missa de Defuntos).
As Quatro antífonas marianas para coro feminino e órgão resultaram de uma encomenda do II Ciclo de Órgão de Santarém em 2017 e são todas baseadas, de formas diferentes, nas respectivas antífonas gregorianas: em Alma Redemptoris Mater, uma das vozes cita integralmente (embora com um ritmo diferente) a melodia original; a parte de órgão de Salve Regina é um ostinato construído sobre as primeiras cinco notas da antífona gregoriana; em Ave Regina caelorum, a melodia original é citada como um cantus firmus numa das vozes, servindo também de base aos interlúdios do órgão; finalmente em Regina Coeli, após uma primeira secção homofónica, cada frase é desenvolvida num contraponto imitativo (baseado em células da melodia gregoriana) entre as duas vozes.
De Sancta Maria para vozes femininas e órgão, da suíça Caroline Charrière, é inspirada na antífona Cum erubuerint de Hildegarde von Bingen. Após o canto da antífona por uma solista, o coro entoa um lamento, acompanhado pelo órgão. A antífona vem sobrepor-se a esta textura e a obra termina com uma secção a solo no órgão que que funciona, no dizer da compositora «como uma flecha lançada em direcção à luz».
Alma Redemptoris Mater para coro misto e órgão, de Ignácio Rodrigues (mestre de capela da Sé do Funchal), foi escrita propositadamente para este concerto. Iniciando-se com a primeira frase da melodia gregoriana, evolui para uma escrita polifónica, criando diferentes ambientes que sublinham o texto. A peça divide-se em duas partes. A primeira apresenta Maria, Mãe do Redentor e Estrela do Mar, por cuja intercessão é pedido que ajude o seu povo decaído a levantar-se. Segue-se um interlúdio no órgão, onde, segundo o compositor, a nota pedal simboliza aqueles que encontram o equilíbrio e a harmonia, quando procuram estar unidos ao Criador, e a melodia ascendente da mão direita, todo aquele que procura o transcendente. Posteriormente, o movimento descendente representa a Kenosis, isto é: a descida de Jesus. Este interlúdio prepara a segunda parte, onde se faz referência ao «sim» de Maria na Anunciação, que deu origem à geração de Cristo, terminando com um pedido de misericórdia pelos pecadores.
Pange lingua de Rodrigo Cardoso é fruto de um desafio lançado a alunos da classe de Composição da Escola Superior de Música de Lisboa, no sentido de escreverem uma obra baseada naquele hino gregoriano. Aqui, a melodia original é reconhecível de uma forma não evidente. Segundo o próprio compositor, a obra «procura um diálogo entre o presente e o passado, através da absorção, da flutuação e da nudez.»
Os primeiros quatro compassos de Lux aeterna – onde a parte de órgão, construída sobre as primeiras notas da antífona gregoriana, serve de suporte à entrada sucessiva das três vozes (soprano, tenor e baixo) – foram escritos por João Pedro Alvarenga, ainda enquanto aluno do Instituto Gregoriano de Lisboa, na década de 1980. Já no início deste século, retomei o trabalho com base naquele fragmento, tendo escrito a maior parte da seção central. Só em 2017 escrevemos, em conjunto, a conclusão da peça. Cada uma das seções do texto é construída sobre a correspondente melodia gregoriana, sendo a parte de órgão baseada sempre na frase inicial.
Com origem no século XV, e não se podendo encaixar exatamente na categoria de Canto Gregoriano, O filii et filiae é um dos hinos pascais mais populares em todo o mundo. Nesta obra de Sérgio Silva (para coro misto e órgão), a melodia aparece sempre na sua forma original, embora envolvida numa textura diferente em cada estrofe. Ao longo da peça são criados ambientes diferentes – incluindo uma fuga bachiana – que culminam na estrofe final, onde a melodia é cantada em uníssono por todo o coro e pontuada majestosamente pelas harmonias do órgão.
João Vaz
Canto Gregoriano
¬ Alma Redemptoris Mater
João Vaz (1963)
¬ Alma Redemptoris Mater
(Quatro Antífonas Marianas, 2017)
Canto Gregoriano
¬ Salve Regina (tonus simplex)
João Vaz
¬ Salve Regina
(Quatro Antífonas Marianas, 2017)
Canto Gregoriano
¬ Ave Regina Cælorum (tonus simplex)
João Vaz
¬ Ave Regina Cælorum
(Quatro Antífonas Marianas, 2017)
Canto Gregoriano
¬ Regina Cœli (tonus simplex)
João Vaz
¬ Regina Cœli
(Quatro Antífonas Marianas, 2017)
Hildegarde von Bingen (1098-1179)
¬ Cum erubuerint
Caroline Charrière (1960)
¬ De Sancta Maria (2005)
Ignacio Rodrigues (1972)
¬ Alma Redemptoris Mater (2018) *
Canto Gregoriano
¬ Pange lingua
Rodrigo Cardoso (1997)
¬ Pange lingua (2018)
Canto Gregoriano
¬ Lux æterna
(antiphona ad Communionem, Missa pro Defunctis)
João Pedro Alvarenga (1961)
/ João Vaz
¬ Lux æterna (2017)
Sérgio Silva (1981)
¬ O filii et filiæ (2018)
* Estreia absoluta
Participantes
Grupo Vocal Lusiovoce O Grupo Vocal Lusiovoce, que aqui se apresenta maioritariamente na sua formação de vozes femininas, têm direcionado a sua actividade principal para a interpretação de música moderna. Teve a sua estreia no Festival Cistermúsica com um programa dedicado à simbiose entre literatura e música portuguesas, programa também apresentado no Festival de Vila do Conde. De outras apresentações em palcos nacionais destacam-se execuções de repertório sacro, como a Cantata St. Nicholas, de Benjamin Britten, e obras de Händel e Vivaldi no Teatro S. Carlos, e um programa de música sacra do século XXI apresentado no concerto de encerramento da edição mais recente do Festival de Órgão de Santarém, assim como no Festival Estoril-Lisboa. |
Sérgio Silva Mestre em Música pela Universidade de Évora, Sérgio Silva começou por estudar órgão no Instituto Gregoriano de Lisboa sob a orientação de João Vaz na disciplina de órgão e de António Esteireiro em acompanhamento e improvisação. Para além dos seus estudos regulares, teve oportunidade de contactar com diversos organistas de renome internacional, tais como, José Luis González Uriol, Luigi Ferdinando Tagliavini, Jan Willem Jansen, Michel Bouvard, Kristian Olesen e Hans-Ola Ericsson. Como concertista, apresenta-se regularmente, tanto a solo como integrado em diversos agrupamentos nacionais de prestígio, tendo actuado em Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, França, Alemanha e Macau. Enquanto investigador, tem realizado várias transcrições modernas de música antiga portuguesa. Actualmente, desempenha as funções de docência de órgão no Instituto Gregoriano de Lisboa e na Escola de Música Sacra de Lisboa, e é organista titular da Basílica da Estrela e da Igreja de São Nicolau (Lisboa). |
Clara Alcobia Coelho Clara Alcobia Coelho fez os estudos superiores na ESML nas áreas de Formação Musical e Direcção Coral. Estudou e fez cursos de aperfeiçoamento com Vasco Azevedo, Paulo Lourenço, Michel Corboz, Alexander Polishuk, Stephen Coker e Jean-Marc Burfin. Concluiu o mestrado em Direcção Coral em 2010. Com o Coro Gulbenkian, teve a seu cargo a preparação de vários programas, dos quais se destacam L’Autre Hiver, La danse des Morts de Honegger na Fundação Gulbenkian, Motetes de Bach, Sonho de uma Noite de Verão de Mendelssohn, Magnificat de Vivaldi e A africana de Meyerbeer. No Festival “Les Musicalles de Grillon” foi maestrina do Coro de 2006 a 2016. Dirige regularmente o Coro do Tejo, desde 2009. Com o Ensemble Lusiovoce, apresentou concertos inteiramente reservados a música moderna e contemporânea portuguesa. Com agrupamentos da ESML, dirigiu a ópera Páride ed Helena de Gluck no Teatro São Luís, bem como muitos outros concertos e audições de música coral e vocal de câmara. Como soprano integra o Coro Gulbenkian desde 1997 e colaborou também com outros agrupamentos (Oficium Grupo Vocal, Voces Caelestes, Ensemble MPMP, Studio Contrapuncti). Recentemente destaca-se a direcção de música contemporânea: o Concerto de encerramento do Festival de Órgão de Santarém, dedicado a estreias de obras de compositores portugueses, e a versão encenada de Hummus, de Zad Moultaka, em Lisboa e em Londres. É docente, desde 2001 na Escola Superior de Música de Lisboa e na Academia Nacional Superior de Orquestra. |
Notas ao Órgão
Sé do Funchal (Choir organ)
Dinarte Machado, 2017
O novo órgão de coro da Sé do Funchal resultou de uma iniciativa Cabido da Sé, no sentido de dotar a Catedral de um instrumento fundamentalmente virado para as necessidades atuais do serviço litúrgico, mas simultaneamente apto para recitais e outros eventos de natureza não especificamente litúrgica. O órgão foi instalado no transepto sul, junto do altar e do coro (enfatizando a sua eminente vocação litúrgica), mas pode rodar sobre um eixo e ficar virado para nave central.
O desenho da caixa, da autoria do organeiro Dinarte Machado, resulta de uma interpretação livre dos arcos ogivais da Sé e a maioria dos elementos decorativos faz referência a aspectos religiosos (nomes de santos) ou tradicionais (cestos de vime).
O órgão, cuja versão final resultou do diálogo entre o organeiro e o Mestre de Capela da Sé, Pe. Ignácio Rodrigues, possui dezasseis registos, distribuídos por dois teclados e pedaleira. A harmonização de todos aqueles registos teve em conta não só as múltiplas funções do instrumento, mas sobretudo a adaptação à acústica do templo.
A conceção fónica é profundamente original, não sendo feito à imagem de outro congénere, nem identificado com uma época ou estilo. Pretendeu-se que, usando da sua diversidade tímbrica e explorando as suas capacidades, os organistas pudessem fazer ouvir este instrumento em repertório de várias épocas e compositores, assim como incentivar os compositores atuais para usarem da sua criatividade e novas obras. Esta foi a visão do seu construtor, Dinarte Machado, que considera que o órgão «oferece toda a liberdade a um organista, enquanto improvisador».
I Manual – Órgão principal (C – g’’’)
Flautado 12 aberto [8’]
Flauta em 12 [8’]
Oitava real [4’]
Quizena [2’]
Mistura III vozes
II Manual – Órgão expressivo (C – g’’’)
Flautado 12 tapado [8’]
Viola da gamba [8’]
Flauta de chaminé [4’]
Dozena [2 2/3’]
Quinzena nazarda [2’]
Dezassetena [1 3/5’]
Dezanovena [1 1/3’]
Clarinete [8’]
Pedal (C – f’)
Flautado de 24 tapado [16’]
Flauta [8’]
Baixão [16’]
Acoplamentos
I - P
II - P
II - I