Domingo, 21 outubro, 21H30
Igreja de São João Evangelista (Colégio)
Poulenc, Concerto para órgão
Vincent Dubois, órgão
Orquestra Clássica da Madeira
Rui Pinheiro, direção
Não sendo propriamente litúrgicas, as obras para órgão apresentadas no programa de hoje foram concebidas, embora em circunstâncias diversas, sob a influência de um certo sentimento religioso. A chamada «escola de órgão romântica francesa» tem raízes nos ensinamentos do belga Jaak Nikolaas Lemmens (cujo Méthode d’orgue divulgou pela primeira vez na Bélgica e em França os princípios do legato absoluto, da técnica de pedaleira moderna e do estudo rigoroso) e no idioma sinfónico de César Franck (também ele nascido na Bélgica). No entanto o factor que talvez mais tenha contribuído para a criação e difusão de um nova escola organística foi a actividade do organeiro francês Aristide Cavaillé-Coll. Muito influenciado pelo idioma de Franck e pela concepção de Lemmens, Cavaillé-Coll construiu em França durante as últimas décadas do século XIX cerca de meio milhar de instrumentos de orientação sinfónica (alguns de grandes dimensões), criando uma nova sonoridade que viria a alterar radicalmente a paisagem organística francesa. Esta sonoridade, que segundo Charles-Marie Widor permitiu que o órgão se tornasse no «instrumento místico», influenciou todos os compositores-organistas franceses do início do século XX, que a exploraram de múltiplas formas.
No dia 20 de Junho de 1940 o exército alemão atravessava a linha defensiva de Saumur em França. Entre os muitos soldados franceses que pereceram ao tentar defender a invasão, conta-se Jehan Alain que, com apenas vinte e nove anos, via assim brutalmente interrompida uma brilhante carreira de organista e compositor. A morte de Alain enlutou a comunidade musical francesa, que o considerava como um dos mais promissores compositores do século e o delfim da última geração da escola francesa. Entre os compositores que quiseram homenagear a memória de Jehan Alain, conta-se Maurice Duruflé, que tinha sido seu condiscípulo no Conservatório de Paris. Duruflé escreveu em 1942 o Prélude et fugue sur le nom d’Alain, que ostenta a dedicatória «A la mémoire de Jehan Alain, mort pour la France». O prelúdio mantém um obsessivo movimento de tercinas (baseado na célula de cinco notas lá-ré-lá-lá-fá, derivada das letras A-L-A-I-N), ao qual se sobrepõe periodicamente um motivo melódico mais lírico e, perto do fim, uma alusão ao tema das Litanies de Alain. Segue-se uma dupla fuga, cujo primeiro tema é baseado nas mesmas cinco notas. Após uma segunda fuga, com um tema bastante mais agitado, os dois temas sobrepõem-se numa série de combinações cada vez mais complexas. A fuga é concebida como um crescendo (tanto de dinâmica como de complexidade e de intensidade dramática) e termina num tom apoteótico.
Évocation, de Marcel Dupré, foi estreada pelo autor em 26 de outubro de 1941, no grande órgão Cavaillé-Coll da Basílica de Saint-Ouen em Rouen, do qual Albert Dupré (pai de Marcel) tinha sido titular durante vinte e oito anos. O compositor evoca simultaneamente a memória do seu pai, falecido dez meses antes, e o próprio instrumento. Allegro deciso, o terceiro e último andamento de Évocation, constitui um triunfante final que se impõe como uma conclusão inabalável, após o segundo andamento de carácter muito mais introspectivo e harmonicamente mais hesitante. É interessante constatar esta opção por um final vitorioso, após uma longa secção tortuosa e contida, tanto no Prélude et fugue sur le nom d’Alain de Duruflé, como na Évocation de Dupré – duas obras escritas durante o período de ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.
Antiche arie e danze é um conjunto de três suites orquestrais do compositor italiano Ottorino Respighi, escritas a partir de transcrições livres de peças originais para alaúde. A actividade de Respighi como musicólogo e o seu interesse pela música italiana dos séculos XVI, XVII e XVIII, levou-o a compor diversas obras inspiradas na música daqueles períodos. A Suite n º 3 foi composta em 1932 e é a única das três destinada exclusivamente a cordas. Respighi baseou-se em peças de alaúde de Jean-Baptiste Besard e de Santino Garsi da Parma, uma peça para viola barroca de Ludovico Roncalli, entre outras obras de compositores anónimos.
Não sendo um organista, Francis Poulenc escreveu várias obras onde o órgão ocupa um papel importante. Em 1936, na sequência da morte de um amigo, Poulenc fez uma peregrinação ao santuário mariano de Rocamadour – uma experiência que aparentemente fez reviver as suas convicções católicas. Esta Fé renascida influenciou não só as obras sacras que Poulenc produziu a partir de então, mas também a concepção do Concerto para órgão, cordas e tímpanos, cujo processo de composição tinha já iniciado, na sequência de uma encomenda da princesa Edmond de Polignac, em 1934. Poulenc, que até aí nunca tinha escrito para órgão, dedicou-se ao estudo das grandes obras para o instrumento de Johann Sebastian Bach e Dieterich Buxtehude. Todo o Concerto respira uma atmosfera neo-barroca e é impossível não sentir a analogia entre a entrada do órgão e o início da Fantasia e fuga em sol menor de Bach. Poulenc também foi aconselhado (nomeadamente sobre a registação) por Maurice Duruflé, que foi o solista na estreia privada da obra em 16 de Dezembro de 1938, no órgão Cavaillé-Coll do salão da princesa de Polignac.
João Vaz
Maurice Duruflé (1902-1986)
¬ Prélude et fugue sur le nom d’Alain, Op. 7 (1942) *
Marcel Dupré (1886-1971)
¬ Évocation, poema sinfónico
› 3. Allegro deciso *
Ottorino Respighi (1879-1936)
¬ Antiche danze ed arie per liuto, Suite III (1932)
› I. Anónimo Anonymous: Italiana. Andantino
› II. Jean-Baptiste Besard: Aria di corte.
Andante cantabile
› III. Anónimo Anonymous: Siciliana.
Andantino
› IV. Ludovico Roncalli: Passacaglia.
Maestoso – Vivace
Francis Poulenc (1899-1963)
¬ Concerto para órgão cordas e tímpanos em sol menor
* órgão solo
Participantes
Vincent Dubois Nascido em 1980, após alcançar cinco primeiros prémios no Conservatoire National Supérieur de Musique de Paris (Órgão, Harmonia, Contraponto, Fuga e Composição do século XX), Vincent Dubois ganha em 2002 a Gold Medal Recital no Royal Bank Calgary International Organ Competition (Canadá), assim como o primeiro prémio do Concours International d’Orgue «Xavier Darasse» em Toulouse. Apresenta-se em todo o mundo (Europa, Estados Unidos, Canadá, Ásia, etc.), em recitais ou como solista à frente de orquestras como a Los Angeles Philharmonic, Philadelphia Philharmonic, Hong Kong Philharmonic, Orchestre Philharmonique de Radio-France, Orchestre National de France, Ensemble Orchestral de Paris, Orquesta Filarmónica de Gran Canaria, Orchestre National d’Ile de France, etc., colaborando com maestros como Myung-Whun Chung, Evgueni Svetlanov, Edo de Waart, François-Xavier Roth, Stéphane Denève, entre outros. É igualmente convidado por numerosos festivais internacionais. Deu masterclasses em muitas universidades e conservatórios europeus e americanos e foi nomeado Continuing Guest Artist pela Universidade de Michigan a partir de 2014. Titular do certificado de aptidão de director de conservatórios, foi nomeado director do Conservatório de Reims em 2008 e, seguidamente, do Conservatório e da Academia Superior de Música de Estrasburgo no final de 2011. Em 2016, após um concurso, foi nomeado organista titular do grande órgão de Notre-Dame em Paris, ao lado de Philippe Lefèbvre e Olivier Latry. |
Orquestra Clássica da Madeira Inicialmente constituída como Orquestra de Câmara da Madeira, fundada em 1964 pelo Prof. Jorge Madeira Carneiro, a Orquestra Clássica da Madeira (OCM) é uma das mais antigas do país em atividade. Presentemente, é gerida e dinamizada pela Associação Notas e Sinfonias Atlânticas (ANSA). Ao longo do seu percurso, a OCM realizou concertos a nível nacional e internacional, designadamente, festivais em Madrid, Roma e Macau este último por ocasião de uma digressão pela Ásia. Em 1998 gravou um CD com o violinista Zakhar Bron, e em 2005, uma série de 5 CD’s com solistas portugueses, numa edição com obras de W. A. Mozart, para a EMI Classics. Foi dirigida pelos maestros titulares Zoltán Santa, Roberto Pérez e Rui Massena e por maestros convidados nomeadamente, Gunther Arglebe, Silva Pereira, Fernando Eldoro, Merete Ellegaard, Paul Andreas Mahr, Manuel Ivo Cruz, Miguel Graça Moura, Álvaro Cassuto, Jaap Schröder, Luiz Isquierdo, Joana Carneiro, Cesário Costa, Paolo Olmi,Jean-Sébastian Béreau, Maurizio DiniCiacci, Francesco La Vecchia, David Giménez. Passadas mais de cinco décadas de atividade, a Orquestra Clássica da Madeira abraça, neste momento, um arrojado projeto artístico, proporcionando uma temporada rica em programas do período clássico, romântico e contemporâneo, onde prevê interpretar variadas obras, inclusive com estreias em primeira audição mundial, contando também com o Ciclo “Os Concertos para Violoncelo”, assim como dará continuidade aos Ciclos “Grandes Solistas”, “Jovens Solistas” e “Grandes Obras”. |
Rui Pinheiro Rui Pinheiro é Maestro Titular da Orquestra Clássica do Sul desde Janeiro de 2015. Entre 2010 e 2012 foi Maestro Associado da Orquestra Sinfónica de Bournemouth (Reino Unido). Foi Maestro da Orquestra do Conservatório Nacional de Lisboa (2005-2008) e em Londres foi Director Musical do Ensemble Serse, companhia de ópera barroca em instrumentos de época, e fundou o Ensemble Disquiet, dedicado à divulgação da música contemporânea portuguesa (2008 – 2010). Em Portugal dirigiu as principais orquestras (Orquestra Sinfónica Portuguesa, Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra Clássica da Madeira e Filarmonia das Beiras). Após a sua estreia operática no Teatro Nacional de São Carlos, com A Filha do Regimento de Donizetti (2014), dirigiu em 2015 Los Diamantes de la Corona de Barbieri, produção do Teatro de Zarzuela de Madrid. Entusiasta de música contemporânea trabalhou com compositores como Kenneth Hesketh, Alison Kay, Augusta Read Thomas, Stephen MacNeff, Pedro Faria Gomes, Luís Soldado, Bruno Gil Soeiro, Luís Tinoco, Nuno Côrte-Real, Isabel Soveral, Clotilde Rosa entre outros. Após os seus estudos musicais em Portugal (licenciatura em piano na ESMAE e Mestrado em Artes Musicais da Universidade Nova de Lisboa) e na Hungria (pós-graduação em piano e música de câmara na Academia Ferenc Liszt de Budapeste), obteve o Mestrado em Direcção de Orquestra no Royal College of Music de Londres onde estudou com Peter Stark e Robin O’Neill. Trabalhou ainda com Jorma Panula e Colin Metters. |
Notas ao Órgão
Igreja de São João Evangelista (Colégio), Funchal
Este instrumento, com os seus 1586 tubos sonoros, integra-se num espaço sagrado de características bem particulares. Tratando-se de uma igreja de arquitectura típica dos colégios jesuítas, com uma nave de admirável amplitude e com acústica bastante amena, o órgão tinha de ser concebido, especialmente no que diz respeito às medidas dos tubos, com cuidado muito especial e singular. Assim, toda a tubaria deste instrumento, talhada em medidas largas, ecoa com intensa profundidade, e cada registo emite uma sonoridade com personalidade própria, fazendo parte de um conjunto harmónico mais baseado em sons fundamentais e menos em timbres resultantes dos harmónicos. Entendeu-se que seria indispensável doar este instrumento de uma certa “latinidade” sonora capaz de favorecer a execução de música antiga das escolas italiana, espanhola e portuguesa dos séculos XVII e XVIII.
Outro aspecto tomado em conta foi a necessidade de complementar o panorama organístico actual e local: o novo grande órgão presta-se, de uma forma ideal, para a realização de obras de épocas e de exigências técnico-artísticas para as quais nenhum dos 24 instrumentos históricos da Madeira oferece as condições adequadas, valorizando, para além disso, o conjunto do património organístico da Ilha da Madeira através da sua própria existência neste particular espaço sagrado, bem como por meio da sua convivência com os espécimes históricos. Na própria decisão de o colocar na Igreja do Colégio foram tomados em conta não apenas o espaço acústico, estético e litúrgico, mas também o facto de nele existir um importante órgão histórico que faz parte do rol dos instrumentos actualmente em via de serem restaurados.
I Manual - Órgão Principal (C-g’’’)
Flautado aberto de 12 palmos (8’)
Flautado tapado de 12 palmos (8’)
Oitava real (4’)
Tapado de 6 palmos (4’)
Quinzena (2’)
Dezanovena e 22ª
Mistura III
Corneta IV
Trompa de batalha* (mão esquerda)
Clarim* (mão direita)
Fagote* (mão esquerda)
Clarineta* (mão direita)
II Manual - Órgão Positivo (C-g’’’)
Flautado aberto de 12 palmos (8’)
Tapado de 12 palmos (8’)
Flautado aberto de 6 palmos (4’)
Dozena (2 2/3’)
Quinzena (2’)
Dezassetena (1 3/5’)
Dezanovena (1 1/3)
Címbala III
Trompa real (8’)
Pedal (C-f’)
Tapado de 24 palmos (16’)
Bordão de 12 palmos (8’)
Flautado de 6 palmos (4’)
Contrafagote de 24 palmos (16’)
Trompa de 12 palmos (8’)
Acoplamentos
II/I
I/Pedal
II/Pedal
* palhetas horizontais