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BW17Out202317 outubro, terça-feira, 21H30; 
Igreja de Santa Luzia · Funchal; 

SACRO BELCANTO 
Marco Brescia, órgão; 
Rosana Orsini Brescia, soprano. 


O programa escolhido para o presente concerto é composto tanto por obras originais, quer para órgão solo, quer para canto com acompanhamento de organo obbligato, quanto por música original para canto com acompanhamento adaptado ao órgão ou por pasticci de árias de ópera com sobreposição de texto sacro latino, tal é o caso do hino Aeterna Christi Munera, cujo texto original ambrosiano foi naturalmente acrescentado sobre a melodia da popularíssima ária Una voce poco fa da ópera rossiniana Il Barbiere di Siviglia. O repertório em causa, que gravita em torno da primeira metade do século XIX, traduz o gosto musical em voga na Itália da época, cujo repertório organístico ou para canto e órgão era profundamente vincado na tradição sinfónico-teatral italiana, que secundou, para além das próprias fronteiras e de forma inexorável, a música religiosa coetânea na Europa meridional. Compositores maiores da ópera italiana do primo Ottocento como Vincenzo Bellini (Catania, 1801 – Puteaux, 1835) e Gaetano Donizetti (Bergamo, 1797-1848), ambos detentores de sólida formação organística, tanto compuseram obras originais para o instrumento rei, como reinterpretaram ao mesmo sinfonias de suas óperas, tal é o caso dos célebres Due Grandi Offertori de Donizetti. A Sonata per organo in sol maggiore de Bellini, composta nos anos milaneses do compositor, é a sua única obra original para órgão solo e pode, em certa medida, ser considerada uma homenagem de Vincenzo ao pai, Rosario Bellini, organista, maestro de capela e compositor de música sacra, bem como ao avô, Vincenzo Tobia Nicola Bellini, também organista e compositor, para além de ser uma espécie de uma reminiscência dos já distantes anos de organista na Catania natal. A sua Salve Regina a voce sola di soprano con accompagnamento di organo, ressalvado o texto sacro, bem poderia integrar uma das suas óperas, caracterizadas pela prodigalidade da inspiração melódica, bem como o Tantum Ergo per soprano e organo obbligato de Donizetti, que, numa roupagem orquestral e com texto profano, faria credibilíssimo efeito num dos melodramas do compositor bergamasco. O não menos insigne Gioacchino Rossini (Pesaro, 1792 – Passy, 1868), que, diversamente de Bellini e Donizetti, já não era tão familiarizado com o mundo organístico, também compôs, não obstante, obras sacras para canto e organo obbligato, assim como para canto e outras formações instrumentais e orquestrais, como é ocaso da ária O Salutaris hostia da Petite Messe Solennelle ou da ária Inflammatus et Accensus do grandiloquente Stabat Mater, que, reduzidas ao órgão, dão fé de uma difundida e naturalíssima prática histórica oitocentista, a de adaptar o acompanhamento vocal orquestral ao polifónico órgão. Um dos nomes cimeiros do órgão italiano no século XIX é, indubitavelmente, Felice Moretti, que ficou mais conhecido por Padre Davide de Bergamo (Zanica, 1791 – Piacenza, 1863), cuja Elevazione in re minore é puro lirismo belcantista transposto ao órgão. Giovanni Morandi (Pergola, 1777 – Senigallia, 1856), compositor marchigiano, era – a exemplo de Bellini – filho de organista, Pietro Morandi (Bologna, 1745 – Senigallia 1815). Uma das obras paradigmáticas do órgão italiano oitocentista é o virtuosístico Rondo con imitazione de’ campanelli, obra idiomática que faz uso do registo de sinos do órgão coevo italiano, testemunhando o facto de que nas igrejas do bel paese em oitocentos, extensão natural e permeável do teatro operático, tangia-se e cantava-se, decorosamente, sacro belcanto.

Rosana Orsini e Marco Brescia


Programa:

VINCENZO BELLINI (1801-1835)
Sonata para órgão em Sol maior
Salve Regina

GAETANO DONIZETTI (1797-1848)
Grande offertorio per organo o pianoforte (Sinfonia da ópera Anna Bolena)
Tantum ergo

GIOVANNI MORANDI (1777-1856)
Rondò con imitazione de’ campanelli

GIOACCHINO ROSSINI (1792-1868)
Aeterna Christi munera («Una voce poco fa» da ópera Il Barbiere di Siviglia)

DAVIDE DA BERGAMO (1791-1863)
Elevazione

GIOACCHINO ROSSINI
O Salutaris (Petite Messe Solennelle)

GAETANO DONIZETTI
Grande offertorio per organo o pianoforte (Sinfonia da ópera La Parisina)

GIOACCHINO ROSSINI
Inflammatus et accensus (Stabat Mater)


Foto Rosana Orsini foto W. Gontijo2023Rosana Orsini

Cantora lírica e historiadora da ópera, Rosana Orsini encarnou papéis em óperas de Monteverdi (Il ballo delle ingrate), Mozart (Così fan Tutte, Le nozze di Figaro, Don Giovanni), Nebra (Vendado es amor, no es ciego), Bizet (Os pescadores de pérolas), Puccini (Gianni Schicchi), Massenet (Manon), Verdi (Un ballo in maschera). Definida pelo The Washington Post como «uma intérprete cativante», apresenta-se regularmente em concerto em festivais internacionais realizados na Europa e nas três Américas. Com Marco Orsini-Brescia gravou o álbum Angels and Mermaids: religious Music in Oporto and Santiago de Compostela (Arkhé Music, 2016). É graduada em Canto Lírico pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Canto pela Manhattan School of Music (EUA), pós-graduada em Canto pela Royal Academy of Music (Reino Unido), Doutora em História e Musicologia pelas universidades Sorbonne de Paris IV (França) e NOVA de Lisboa. Especializou-se com Antonio Florio na interpretação histórica da música antiga no Conservatorio di San Pietro a Majella de Nápoles (Itália) e com Edda Moser na interpretação mozartiana no Instituto Mozarteum de Salzburg (Áustria).
É investigadora integrada do CESEM / FCSH / NOVA.

 


Foto Marco Brescia foto W. Gontijo2023Marco Brescia

Pianista e organista italo-brasileiro, Marco Orsini-Brescia é vencedor do X Concurso Nacional de Piano Arnaldo Estrella, Brasil. Como bolseiro do governo espanhol, frequentou o curso internacional de piano da Escuela Superior de Música Reina Sofia, ministrado por Russel Sherman. Participou do Curso Internacional de Música Antigua de Daroca, Espanha, sob a orientação de José Luis González Uriol, influência decisiva no seu percurso artístico-musical. É doutor em Musicologia Histórica (Universidades Paris IV–Sorbonne / NOVA de Lisboa), com menção très honorable à l’unanimité, e mestre, com matrícula de honor, em Música Antiga / Órgão Histórico (ESMUC / UAB), sob a orientação de Javier Artigas. Apresenta-se regularmente em concerto nas mais prestigiadas salas e festivais internacionais da Europa, e das Américas Central e do Sul. O seu disco Zipoli in Diamantina: complete organ works (Paraty, França, 2020) foi gravação destacada da revista espanhola Scherzo e disco recomendado pela francesa Diapason. Foi condecorado com a Medalha de Honra do Presidente Juscelino Kubitshek (Brasil). Desde 2019, é investigador da FCSH / NOVA e coordenador do grupo Música no Período Moderno / CESEM.