Sábado, 17 de outubro, 21h30
Igreja de Nossa Senhora da Conceição (Machico)
Sérgio Silva (órgão)
A música para órgão na Península Ibérica teve o seu período de ouro entre os séculos XVI e XVII, desde os compositores Cabezón e Carreira até Araújo e Cabanilles. Influenciada inicialmente pelos modelos estrangeiros, é caracterizada pela sua insularidade e conservação, sentida principalmente no século XVII. Em plena eclosão do Barroco e da sua linguagem harmónica tonal no resto da Europa, apresentava ainda claros vestígios do Renascimento, como o facto de ser composta na teoria do modalismo. Para compensar, o dialecto musical era bastante colorido e enriquecido com factores pungentes, como o uso frequente de tríades aumentadas, falsas relações, tratamento da dissonância não canónico, contraponto livre, associado a uma variedade rítmica com mudanças súbitas de humor de valores longos e austeros para ritmos frenéticos de dança, com síncopas e acentuações inesperadas. A textura tipificada a quatro vozes em polifonia modal é um dos princípios assentes para a literatura desta época. O tento, ou tiento, é indubitavelmente o género mais frequente, assumindo várias espécies ao longo dos dois séculos, desde a sua forma mais ancestral ao modo dos ricercari italianos, até ao tiento de falsas e de meio-registo. A maior parte da música para órgão na Península Ibérica desenvolveu-se no seio da liturgia do rito católico. A necessidade da criação de repertório estaria relacionada, por um lado, com o facto de que as antífonas cantadas não seriam suficientemente longas para acompanhar as procissões do ritual, sendo necessário o órgão completar o momento processional de música, por outro, a prática do alternatim, que consistia em alternar versos de cantochão de determinadas rubricas litúrgicas com pequenos versos instrumentais, caso dos Kyrios de Manuel Rodrigues Coelho. Não obstante, encontra-se alguma produção baseada em temas profanos, como as Diferencias sobre la Gallarda Milanesa, a Canção a 4 glosada e a Corrente italiana. É irrefutável o facto de que a música sempre foi composta em íntima relação com o instrumento. A organaria na Europa diversificou-se em escolas ou correntes específicas ao longo da história do órgão, temporal e geograficamente. Desta forma, a partir de finais do século XVI, a organaria na Península também tende a assumir um estilo próprio. Até então, seria semelhante aos órgãos do resto da Europa, sendo mais próximos do modelo flamengo. Exceptuando igrejas importantes e catedrais, o órgão português e espanhol entre os séculos XVI e XIX possui geralmente apenas um teclado manual, sem pedaleira. Dadas as limitações impostas pela falta de recursos, os organeiros na Península desenvolveram o engenho de dividir o teclado em duas partes, uma que seria tocada pela mão esquerda e a outra pela mão direita, cada uma com os seus registos próprios, permitindo construir cores diferentes para o mesmo teclado, e assim a distinção de solos na textura polifónica, o que acontece nos tentos de meio registo. Outra característica típica da organaria ibérica é a disposição de tubos palhetados colocados horizontalmente na fachada do instrumento, que potencia o carácter penetrante deste tipo de registos, frequentemente usados nas peças de batalha.
Sérgio Silva
Antonio de Cabezón (1510-1566)
Diferencias sobre la Gallarda Milanesa
António Carreira (c.1530-c.1594)
Canção
Manuel Rodrigues Coelho (c.1555-c.1635)
Kyrios do primeiro tom por de la sol re
Sebastian Aguilera de Heredia (c.1561?-1627)
Obra de 8º tono alto: Ensalada
Francisco Correa de Arauxo (1584-1654)
Tiento de medio registro de dos tiples de septimo tono
Pablo Bruna (1611-1679)
Tiento de 2º tono por Ge sol re ut “Sobre la letanía de la Virgen”
Pedro de Araújo (Fl.1663-1705)
Tento do 2º tom
Diogo da Conceição (Século XVII)
Batalha de 5º tom
Juan Cabanilles (1644-1712)
Corrente italiana
Carlos Seixas (1704-1742)
Sonata para órgão em Sol maior
Marcos Portugal (1762-1830)
Sonata para órgão
Participantes
Sérgio Silva Natural de Lisboa, Sérgio Silva começou por estudar Órgão com João Vaz e António Esteireiro no Instituto Gregoriano de Lisboa, tendo prosseguido na Universidade de Évora, onde obteve os diplomas de Licenciatura e de Mestrado em Música, ramo de interpretação (Órgão), sob a orientação dos Professores João Vaz e João Pedro d’Alvarenga. Para além dos seus estudos regulares, teve oportunidade de contactar com várias personalidades de renome internacional, tais como José Luis Gonzalez Uriol, Luigi Ferdinando Tagliavini, Jan Wilhelm Jansen, Hans-Ola Ericsson e Kristian Olesen. Apresenta-se regularmente a solo e integrado em prestigiados agrupamentos nacionais, em vários pontos do país e em França, Itália, Inglaterra e Espanha. Presentemente, é professor de Órgão no Instituto Gregoriano de Lisboa e na Escola Diocesana de Música Sacra do Patriarcado de Lisboa e é organista titular da Basílica da Estrela e da Igreja de São Nicolau (Lisboa). |
Notas ao Órgão
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Machico
Na documentação histórica anterior ao século XX constam observações que se referem a dois instrumentos: um foi oferecido, segundo a tradição historiográfica, em 1499, à Igreja de Nossa Senhora da Conceição pelo rei D. Manuel, e um outro adquirido em 1746. No que diz respeito ao órgão manuelino podemos deduzir que ele foi colocado no arco que se abre sobre o cadeiral do lado do Evangelho da capela-mor. No século XVIII, o estado de conservação deste órgão terá deixado muito a desejar, verificando-se a aquisição do segundo instrumento em 1746. O órgão chegou à Madeira em 1752, tendo o Conselho da Fazenda contribuído, inicialmente, nas despesas da sua compra e, posteriormente, nos custos da sua instalação.
O recente restauro, da responsabilidade de Dinarte Machado, teve como objectivo principal restituir, na medida do possível, a sua constituição original, seguindo as indicações dadas pelas próprias peças durante a desmontagem. Assim, no decorrer do restauro optou-se por uma filosofia de intervenção que tivesse sempre em conta as particularidades das peças originais, desde à configuração da caixa e policromia, à reposição da registação, tubaria, folaria, e até à colocação do instrumento no seu local original - a capela-mor. Ainda em relação à composição do instrumento, reintroduziu-se o meio-registo da mão direita, de palheta, que o órgão indicava possuir originalmente e que, de certa forma, o caracteriza. O teclado original, encontrado a monte e que se conseguiu recuperar, mantém a extensão da época com Oitava curta. Ficou completada, com grande rigor, a nova tubaria de acordo com as características que os poucos tubos originais conservados evidenciavam, comparada com as próprias indicações e dimensões do someiro, que também foi minuciosamente estudado e documentado.
Não há dúvidas que se trata de um dos mais belos órgãos da Ilha da Madeira, sendo um dos instrumentos que conserva algumas das mais relevantes características da organaria do século XVII em Portugal. É de salientar ainda que o trabalho de restauro desencadeado nesta peça exigiu o estudo de muita documentação, assim como comparações com outros órgãos da época. Uma vez que tais instrumentos não existem em Portugal, teve de se recorrer a dados em outros países.
Manual (C, D, E, F, G, A-c’’’)
Flautado de 12 palmos (8’)
Flautado de 6 palmos (4’)
Flauta doce
Dozena (2 2/3’)
Voz humana (c#’-c’’’)
Quinzena (2’)
Composta de 19ª e 22ª
Sesquialtera II (c#’-c’’’)
Clarim* (c#’-c’’’)
* palhetas horizontais