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Orgao sao Martinho03Sexta-feira, 16 de outubro, 21h30 
Igreja de São Martinho 


CanteChão: 
João Moreira (tenor), Manuel Rebelo (barítono), Sérgio Silva (baixo), João Vaz (órgão) 


A voz é um meio de expressão musical transversal a todas as civilizações e a todos os períodos da história. O carácter emocional e intuitivo da voz, assim como a sua evidente inerência à comunicação do ser humano fazem da expressão vocal um meio natural para a expressão de múltiplas realidades. Esta naturalidade explica o facto de a voz ser um dos veículos mais comuns para a música de raiz popular. O cante alentejano, recentemente declarado património imaterial universal pela UNESCO, é um exemplo paradigmático desta situação. Perpetuado através das inconfundíveis vozes dos trabalhadores rurais, cantado em uníssono ou com simples harmonias paralelas e sem acompanhamento instrumental, esta forma de cantar parece transparecer a dolência que se experimenta sob o tórrido sol do Alentejo. As lentas melodias servem igualmente para veicular textos religiosos ou profanos. Este repertório tem sido alvo de atenção durante as últimas décadas, o que levou a um levantamento extensivo de um vasto número de cantos. De cariz semelhante, o cantu in paghjella da Córsega utiliza três registos diferentes da voz masculina que se movem paralelamente durante a maior parte do tempo. Estes cantos, transmitidos oralmente ao longo dos séculos, têm uma estrutura comum, com a segunda voz a iniciar, seguida pelo baixo e finalmente pela voz superior. Também no cantu in paghjella coexistem poemas profanos e religiosos. O adjetivo "gregoriano" aponta para o papa S. Gregório Magno que, de acordo com a tradição, terá sido responsável pela versão final de alguns cantos no final do século VI. De uma forma mais estrita o termo "canto gregoriano" aplica-se apenas a essas melodias, distinguindo-se quer de versões anteriores ou paralelas (canto ambrosiano, canto mozárabe, etc.), quer das múltiplas variantes que ao longo dos séculos as melodias foram sofrendo, de acordo com as transformações do gosto musical. No entanto, o termo é normalmente usado para referir a vasta coleção de melodias que perdura desde há séculos como a música oficial da Igreja Católica Romana. No presente programa, estas diferentes manifestações vocais são apresentadas ao lado de obras para órgão dos séculos XV a XVII, baseadas em melodias vocais pré-existentes. O órgão é também aqui ouvido como elemento exterior que apoia as vozes em diversas dimensões: criando uma teia contrapontística que envolve um cantus firmus, duplicando as linhas de uma peça polifónica vocal, executando um simples bordão como apoio ao cantochão ou proporcionando um acompanhamento ostinato nos arranjos do cante alentejano. Como que estabelecendo uma ponte entre a voz e o órgão, o organum, um dos primeiros exemplos de polifonia na história da música ocidental, sobrepõe uma linha melódica ornamentada a uma melodia pré-existente executada em valores muito longos. A dificuldade (ou impossibilidade) de cantar essas longas notas é facilmente superada pela participação do órgão, instrumento para o qual a duração dos sons não tem limite. O organum foi o ponto de partida para uma longa tradição de polifonia vocal que se estendeu a praticamente toda a Europa durante vários séculos. Em Portugal, fundamentalmente como efeito da Contra-Reforma, a polifonia religiosa de raiz vocal manteve-se até ao final de seiscentos. Embora progressivamente permeáveis aos maneirismos composicionais da seconda pratica, os polifonistas lusitanos seiscentistas conservaram-se fiéis a uma estrutura polifónica evidentemente radicada na tradição do século anterior, mantendo sempre a voz como veículo preferencial de expressão.

João Vaz


Tradicional (Alentejano) 
Quinta-feira de Assunção 

Anónimo (Buxheimer Orgelbuch, séc. XV) 
Portugaler 

Leonin (c.1150-1201) 
Haec dies 

António Carreira (a.1530-a.1594) 
Fantasia em ré 
Tento com cantus firmus 
Fantasia em Lá-Ré

Anónimo (Cancioneiro de Palacio, séc. XVI)
Ay, Santa María

Manuel Rodrigues Coelho (c.1555-1635)
Kirios de 1º tom (alternado com cantochão)

Tradicional (Córsega)
Beata viscera

Frei Domingos de São José (séc. XVII)
Obra de 5º tom

Anónimo (Cancioneiro de Palacio, séc. XVI)
¡Oh Reyes Magos benditos!

Francisco Correa de Arauxo (1584-1654)
Glosas sobre el canto llano de la Inmaculada Concepción
(Facultad Organica, 1626)

Tradicional (Alentejano)
Entrai, pastores, entrai

Pedro de Araújo (séc. XVII)
Obra de passo solto de 8º tom

Filipe da Madre de Deus (c.1630-1687)
Salve Regina


Participantes 


CanteChaoCanteChão

Recentemente formado, este grupo conta com as vozes de João Moreira (tenor), Manuel Rebelo (barítono) e Sérgio Silva (baixo) e a participação do organista João Vaz. CanteChão - neologismo que aglutina as expressões «cante alentejano» e «cantochão» - reflete a ideia deste projeto que alia a tradição vocal do Alentejo ao riquíssimo legado do canto gregoriano e da polifonia ibérica dos séculos XVI e XVII. O traço comum entre estas duas diferentes realidades musicais é o poder da voz. Tanto as exuberantes ornamentações do cante, como os delicados melismas das melodias gregorianas, possuem aquela inconfundível expressividade que só a voz humana pode alcançar. Da mesma forma, adivinha-se uma mesma cumplicidade entre as vozes tanto na polifonia erudita como nos «contracantos» de origem popular. O órgão - ele próprio um instrumento que, ao longo da História, viajou entre o profano e o sagrado - acrescenta uma componente instrumental ao conjunto.

Joao Vaz foto Telma VerissimoJoão Vaz

Natural de Lisboa, João Vaz é doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora, tendo defendido a tese A obra para órgão de Fr. José Marques e Silva (1782-1837) e o fim da tradição organística em Portugal no Antigo Regime, sob a orientação de Rui Vieira Nery. É diplomado em Órgão pela Escola Superior de Música de Lisboa, onde estudou sob a orientação de Antoine Sibertin-Blanc, e pelo Conservatório Superior de Música de Aragão em Saragoça, tendo trabalhado com José Luis González Uriol, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, sendo também licenciado em Arquitetura pela Universidade Técnica de Lisboa. Tem mantido uma intensa atividade a nível internacional, quer como concertista, quer como docente, em cursos de aperfeiçoamento organístico. Efetuou mais de uma dezena de gravações discográficas a solo, salientando-se as efectuadas em órgãos históricos portugueses. Como executante e musicólogo tem dado especial atenção à música sacra portuguesa, fundando em 2006 o grupo Capella Patriarchal, que dirige. As suas publicações incluem artigos que incidem sobretudo na música de tecla portuguesa. Lecciona atualmente Órgão na Escola Superior de Música de Lisboa, tendo também exercido funções docentes no Instituto Gregoriano de Lisboa, Universidade de Évora e Universidade Católica Portuguesa (Escola das Artes). Fundador do Festival Internacional de Órgão de Lisboa em 1998, é atualmente diretor artístico das séries de concertos que se realizam nos seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (de cujo restauro foi consultor permanente) e no órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa (instrumento cuja titularidade assumiu em 1997).


Notas ao Órgão


Orgao sao Martinho03Igreja de São Martinho, Funchal

A referência documental mais antiga que conseguimos encontrar relativamente à existência de um órgão de tubos na Igreja Paroquial de São Martinho remonta a 1806. De acordo com um registo lançado pelo tesoureiro da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, foi contratado, em 1806, um organista para afinar o órgão, verificando-se outras informações mais tardias relacionadas com intervenções de manutenção.

No registo da despesa do ano de 1862, lançada no Livro da Fábrica (1834-1877), o Vigário José Rodrigues de Almada anotava a quantia de 200.000 réis para pagamento do órgão novo, especificando que 150.000 réis foram aplicados pela Fábrica da Igreja, 40.000 réis transitaram do valor que foi pago sobre o antigo órgão e 10.000 réis foram oferecidos, perfazendo assim o preço real do instrumento.

Através desta fonte não foi possível determinar em que condições o seu transporte foi efectuado, nem mesmo onde foi adquirido. O certo é que, em 1863, o órgão encontrava-se já na igreja, pois, nesse mesmo ano, o Padre João G. de Noronha era contratado para afinar o referido instrumento, recebendo pelo seu trabalho 2.000 réis.

Verificada a transferência da paróquia para a nova igreja, sagrada em 1918, o órgão foi então levado para o novo templo, onde funcionou até 1934. Conforme os registos encontrados no Livro da Fábrica (1877-1954), o órgão foi objecto de sucessivas intervenções de manutenção, sendo as intervenções mais dispendiosas realizadas em 1879 (pagamento de 38.000 réis a Nuno Rodrigues) e, em particular, em 1916, pela circunstância de se encontrar muito desafinado e com várias deficiências técnicas.

Enquanto instrumento de acompanhamento e dignificação das celebrações religiosas, o órgão da Igreja de São Martinho terá participado nas diversas solenidades, tendo em 1917 sido registado no Livro da Fábrica uma receita de 10$700 “proveniente da contribuição do órgão nos festejos”.

Manual (GG, AA, C-f´´´)
Stop Diapason Bass (Sol1-si)
Stop Diapason Treble (dó1-fá3)
Principal
Flute
Dulciana